Está em curso na Câmara dos Deputados, mais especificamente na Comissão da Agricultura, Pecuária, Abastecimentoe Desenvolvimento Rural, o Projetode Lei 4588/2021,que propõe a Política Nacional de Proteção ao Produtor Rural. Proposto pelo deputado Sergio Souza, o projeto tem como objetivo inicial a oferta de maior segurança jurídica e apoio a este setor fundamental para a economia brasileira.
Entretanto, pelas melhores intenções motivadas pelo autor, a análise do texto revela pontos que exigem cautela, sob o risco de gerar o efeito inverso, ampliando a insegurança jurídica e prejudicando, especialmente, o pequeno e médio produtor rural. Um ponto crítico reside na percepção subjacente a diversos artigos de que o produtor rural é hipossuficiente, necessitando de tutela exacerbada do Estado. A intervenção estatal, embora importante em cenários específicos, quando generalizada, pode fragilizar as relações jurídicas no setor e criar um ambiente de negócios imprevisível e pouco atrativo para investimentos.
A busca por uma legislação que proteja o produtor rural sem criar insegurança jurídica exige cautela, precisão técnica e bom senso
A redação do Artigo 9º, que trata da proteção contratual, exemplifica essa questão. Ao prever a nulidade de pleno direito de cláusulas consideradas desfavoráveis ao produtor rural, abre-se espaço para revisões contratuais com consequências diretas no crédito rural. A simples alegação de desequilíbrio contratual, sem delimitação objetiva, pode levar à judicialização excessiva, paralisando negócios e investimentos no campo.
A inserção de expressões como "ou quando demonstrado evidente desequilíbrio", proposta pela relatoria, não soluciona o problema da subjetividade, perpetuando a insegurança jurídica. Outro ponto sensível é a restrição à consulta de registros de restrição de crédito, prevista no Artigo 24, Inciso III. A intenção de evitar discriminações e facilitar o acesso ao crédito pode resultar em recusa tácita por parte das instituições financeiras ou fornecedores de insumos, que, impossibilitadas de avaliar o risco de crédito, podem simplesmente negar o financiamento.
A criação de um Fundo Garantidor de Risco de Crédito para micro e pequenos produtores, embora louvável, carece de detalhamento crucial. A falta de informações sobre a origem dos recursos, gestão e critérios de elegibilidade gera incertezas sobre sua real efetividade e potencial impacto nas contas públicas.
O financiamento da atividade agrícola no Brasil tem se tornado cada vez mais complexa e dependente da iniciativa privada. O projeto de lei em questão cria uma grave distorção, uma vez que impõe às cerealistas e outros agentes do mercado agro o ônus de suportar o risco da atividade agrícola desenvolvida pelos produtores rurais, sem que estas (cerealistas e distribuidoras de insumos, por exemplo) possam repassar os efeitos da potencial lei contra seus próprios financiadores (bancos e fornecedores, por exemplo).
Isso sem dúvida restringirá e encarecerá o financiamento ofertado ao produtor rural fora do ambiente financeiro e dos planos de apoio governamental, como o plano safra. É fundamental que o Legislativo promova um debate amplo e aprofundado sobre o PL 4588/2021, com a participação de todos os atores envolvidos, instituições financeiras, fornecedores de insumos e especialmente os próprios produtores rurais.
A busca por uma legislação que proteja o produtor rural sem criar insegurança jurídica exige cautela, precisão técnica e bom senso. É preciso garantir que a legislação não infantilize o setor, mas sim o fortaleça, reconhecendo sua importância estratégica para o país e sua capacidade de atuar de forma autônoma e competitiva no mercado.
Roberto Queiroga é diretor executivo da Associação das Empresas Cerealistas do Brasil (ACEBRA); Carlos Parreira é assessor jurídico da ACEBRA.
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