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Se o meu filho, o seu ou o da vizinha roubam uma bicicleta, o crime é o mesmo. A justiça que o seu “merece”, por mais que me doa o coração, cabe ao meu também. Posso buscar bons advogados, estar ali do lado, mas entendo que há consequências simplesmente porque roubar é errado. Não é assim (ou, pelo menos, deveria ser) segundo o bom senso e a ética?
Desde que perdemos a capacidade de dialogar, a polarização se fortaleceu e isso não é bom para ninguém. O filtro que tínhamos (ou eu acho que tínhamos) está perdido em alguma gaveta e, com ele, o bom senso e a ética. O importante é estar certo – mesmo que seja para defender o que não é certo.
Se hoje as regras e a ética são desprezadas para condenar quem você odeia, não se iluda: amanhã elas também serão ignoradas para você
Acabamos de presenciar o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro. Acredite ou não que ele seja culpado das acusações, você acha mesmo que o STF conduziu corretamente o processo, seguindo a lei, sem viés político? Mesmo querendo ver o Bolsonaro mofar na cadeia, defende piamente que Alexandre de Moraes foi o “guardião da democracia”, como a esquerda o chama, ao ser suposta vítima, acusador e juiz? Não precisa dizer em voz alta, mas seja honesto...
Podemos não gostar de alguém, mas será que isso está acima da ética, do que é correto? Se as regras que valem para mim são diferentes para o outro porque assim me convém, então temos um problema sério...
E isso vale para todos os lados. Quando Lula foi preso, metade do Brasil comemorou. Não importava quais eram as acusações e se fossem verdade, queriam apenas que ele fosse preso. Aos seus eleitores e companheiros, sempre foi golpe, independentemente da verdade. Tanto que a esquerda não só comemorou, como votou de novo, mesmo sabendo dos “ãos” (Mensalão, Petrolão...). Lembrando que Lula nunca foi inocentado, apenas solto pelo STF, seu braço (veja só!) direito.
O que quero dizer é que, nos dois casos, há pessoas que defendem o político, o STF, conforme o que querem, sem coerência com seus valores, com a ética, com o que simplesmente é certo. E a justiça, a de verdade, é a base para uma sociedade funcionar.
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O problema de abrir mão destes valores e aceitar qualquer coisa para ver o “inimigo” pelas costas é muito alto. Se hoje as regras e a ética são desprezadas para condenar quem você odeia, não se iluda: amanhã elas também serão ignoradas para você.
E aí, a quem vamos recorrer? É perigoso dar poder para alguém a qualquer preço “só” para prejudicar quem queremos derrubar, porque essa mesma pessoa, com esse mesmo poder – provavelmente sem limites morais – vai usá-lo contra você.
Eu sempre lembro da história do pastor protestante polonês Martin Niemöller, que apoiou o nazismo no início, mas depois se tornou um de seus opositores mais corajosos. Ele passou oito anos num campo de concentração e escreveu o seguinte poema:
“Primeiro eles vieram buscar os socialistas, e eu fiquei calado, porque não era socialista. / Então, vieram buscar os sindicalistas, e eu fiquei calado, porque não era sindicalista./ Em seguida, vieram buscar os judeus, e eu fiquei calado, porque não era judeu. / Foi então que eles vieram me buscar, e já não havia mais ninguém para me defender.”
Raphaela Ribas, jornalista com especialização em Marketing na Austrália, é repórter na Gazeta do Povo. É uma das Top 10 jornalistas +Premiados de 2023 (Jornalistas & Cia).



