Os escândalos contábeis de multinacionais americanas, brasileiras e de outros países, como as falcatruas do “propinoduto” de Marcos Valério nos já remotos tempos do Mensalão, e, posteriormente, a escancarada corrente de enriquecimento ilícito de autoridades públicas no Brasil no contexto do “Petrolão” e outros tantos escândalos de corrupção, alertaram para a necessidade do fortalecimento dos valores morais nas empresas.
Segundo noticiava a CNN no ano de 2005, os monges beneditinos nos Estados Unidos estavam ajudando os bons empresários, programando retiros espirituais destinados a estimular a meditação sobre o “princípio e fundamento” das atividades econômicas para executivos e donos de empresas que pretendiam agir não apenas movidos pela expectativa de lucro, mas também de acordo com os mandamentos da lei de Deus. A procura por esse tipo de espaço de meditação e conversão era grande, segundo os jornalistas que fizeram a matéria para a rede de TV.
Se há algo que nos atrapalha na nossa América Latina patrimonialista, é essa falsa moralidade que condena o lucro e a riqueza provenientes do trabalho e da livre iniciativa
Afinal de contas, como dizia um alto executivo que foi entrevistado, não ferir valores morais é uma das condições para a empresa preservar sua credibilidade. Esta, no caso das corporações que elaboraram relatórios fantasmas como a Enron e a WorldCom, nos Estados Unidos, ficou bastante comprometida e terminou colocando em risco o acelerado crescimento da produtividade americana, que ao longo das últimas décadas voltou a retomar a saúde financeira.
Evidentemente, não se trata de fazer ressurgir do mausoléu das ideias mortas o velho preconceito contra-reformista contra o lucro e a produção de riqueza. Se há algo que nos atrapalha na nossa América Latina patrimonialista, é essa falsa moralidade que condena o lucro e a riqueza provenientes do trabalho e da livre iniciativa. E, ao mesmo tempo, consagra modos perversos de acumulação, estruturados ao longo da história ibérica, como a tendência de se locupletar com o dinheiro tirado do infiel, mediante a “guerra santa” contra ele, ou através de práticas orçamentívoras em que o Estado passa a ser enxergado como “grande empresário” que distribui benesses entre amigos e apaniguados.
Ora, as nossas mazelas decorrem desse perverso hábito de gostar do dinheiro facilmente adquirido, mas não do método honesto de produzi-lo, mediante o trabalho. A Argentina, que felizmente Milei está tirando do buraco, ficou em situação deveras calamitosa porque, como diria o grande Domingo Faustino Sarmiento (1811-1888) no seu famoso ensaio Facundo (1846), a barbárie caudilhista e improdutiva prevaleceu sobre a civilização, terminando por polarizar ao redor dela a centralização do país. Gerações e gerações de caudilhos e tiranetes locupletaram-se com o dinheiro dos outros, de Facundo Quiroga e Rosas, no século XIX, até Perón, Fortunato Galtieri, os Kirchner e os posteriores rebentos peronistas, com as práticas non sanctas de enriquecimento a partir do Estado.
A causa do nosso risco Brasil já foi apontada há décadas pelo esclarecido Oliveira Vianna (1883-1951) em Instituições Políticas Brasileiras (1949) e estaria identificada com a falta de espírito público que nos afeta e que nos induz a querer levar vantagem em tudo, driblando o trabalho produtivo e privatizando o Estado em benefício próprio e da nossa patota.
Mas voltemos ao renascimento da ética empresarial e dos valores morais nas empresas. Embora encontremos três variáveis diferentes no universo liberal — a econômica propriamente dita, a política e a cultural — a variável econômica somente encontra seu apogeu quando as outras duas variáveis a acompanham. Ou seja, a empresa capitalista vinga de forma duradoura ali onde se consolidaram as instituições do governo representativo e onde foram cultivados os valores morais próprios do cristianismo ocidental, que constituem o cerne da nossa cultura.
Sem o chão firme da cultura e da política, a empresa capitalista experimenta surtos, mas não continuidade. As dificuldades das multinacionais americanas no início do milênio foram equacionadas graças às sólidas instituições, bem como a uma cultura humanística suficientemente sedimentada. A economia americana, como dizemos, deu a volta por cima. Se vivo fosse, Immanuel Kant (1724-1804), cujo tricentenário acaba de ser comemorado no dia 24 de abril, diria que o melhor ambiente para o desenvolvimento da empresa capitalista seria pôr em prática os três imperativos categóricos com que o mestre alemão achava que se poderia equacionar a questão da moralidade pública.
Vale a pena lembrar esses imperativos. O primeiro seria o da universalidade: “Age de forma tal que o princípio que pauta a tua ação possa se tornar lei universal”. O segundo seria o imperativo da transparência: “Age de tal forma que os motivos da tua ação possam ser divulgados aos quatro ventos”. O terceiro imperativo seria o do respeito à pessoa: “Age de tal forma que trates a pessoa humana sempre como fim e nunca como meio”. Três princípios de sabedoria que são capazes de renovar a confiança na empresa capitalista. Três princípios que, se começarem a ser aplicados no Brasil, certamente renovarão a vida das nossas empresas, bem como a transparência no seu relacionamento com o Estado.
Ricardo Vélez Rodríguez é professor de Filosofia e ex-ministro da Educação.
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