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Em 2025, o governo dos Estados Unidos anunciou um pacote de tarifas adicionais sobre diversos produtos brasileiros, medida juridicamente amparada no International Emergency Economic Powers Act (IEEPA), mas cujo caráter vai muito além de uma simples política comercial.
Embora as tarifas sejam, em essência, mecanismos voltados à regulação do fluxo de bens e à proteção de setores domésticos, as comunicações oficiais do Departamento de Estado e da Casa Branca deixam evidente que, no caso brasileiro, a medida carrega um expressivo viés político.
Na avaliação de Washington, o Brasil tem adotado posturas que destoam de suas prioridades e alinhamentos estratégicos, o que transforma a tarifa em instrumento de pressão diplomática, e não apenas de política comercial.
O contraste com a Argentina é ilustrativo: apesar de ambos os países exportarem produtos similares, a tarifa aplicada ao Brasil é significativamente mais alta, sinalizando que o fator determinante não é apenas a pauta exportadora, mas o contexto diplomático.
O pano de fundo inclui duas questões centrais. A primeira é a crescente preocupação de autoridades e legisladores norte-americanos com a condução institucional no Brasil, especialmente diante da percepção de que o Governo Federal e o Supremo Tribunal Federal estariam comprometendo a estabilidade democrática.
A segunda é o fortalecimento do comércio brasileiro com a Rússia, num momento em que os EUA e seus aliados aplicam sanções e restrições severas a Moscou. Essa combinação tem alimentado um discurso político que enquadra o Brasil como parceiro pouco confiável no cenário geopolítico, abrindo espaço para medidas restritivas adicionais.
As tarifas anunciadas afetam setores de grande relevância econômica e simbólica. Entre os itens incluídos nas listas iniciais estão café, carne bovina, sebo/tallow e outros alimentos processados, além de produtos da indústria pesqueira, particularmente pescado congelado e processado destinado ao mercado americano. Por ora, ficaram de fora produtos como suco de laranja e fertilizantes, em parte devido à dependência do mercado norte-americano desses insumos.
Os efeitos já são sentidos. Exportadores de carne bovina relatam perda de competitividade frente a concorrentes de países não atingidos, com necessidade de redirecionar embarques para outros mercados, como Oriente Médio e Ásia.
Empresas do setor pesqueiro em Santa Catarina e no Pará, que mantêm contratos de longo prazo com importadores americanos, enfrentam renegociações forçadas de preço e cancelamento de pedidos. No café, tradings e produtores observam margens comprimidas e aumento da incerteza contratual.
A tendência é de agravamento. Congressistas norte-americanos já discutem a ampliação da lista de produtos sujeitos às tarifas e não descartam medidas adicionais caso o Brasil mantenha o atual nível de comércio com a Rússia
Na Europa, a sinalização segue a mesma direção: autoridades da União Europeia indicaram que poderão adotar medidas semelhantes, alinhando-se à lógica política norte-americana.
Uma eventual ação coordenada entre Washington e Bruxelas teria potencial para ampliar de forma significativa o impacto econômico sobre a pauta exportadora brasileira.
Do ponto de vista jurídico, é essencial distinguir tarifas de sanções financeiras. As tarifas elevam o custo de entrada no mercado-alvo e afetam a competitividade, exigindo revisão de contratos, inserção de cláusulas de hardship e reorganização de cadeias de suprimento.
Já as sanções financeiras — como bloqueios de ativos, inclusão em listas da OFAC e restrições a transações em dólar — não fazem parte desse pacote, mas permanecem como risco em um cenário de deterioração diplomática.
O ordenamento jurídico brasileiro oferece instrumentos para mitigar efeitos internos. A Constituição Federal assegura a livre iniciativa e a liberdade de comércio, enquanto o Código Civil, nos artigos 393 e 478, prevê hipóteses de revisão contratual ou exoneração de responsabilidade em casos de impossibilidade de cumprimento ou onerosidade excessiva.
No plano multilateral, o Brasil poderia recorrer à Organização Mundial do Comércio (OMC) para contestar tarifas consideradas incompatíveis com compromissos internacionais, embora essa via dependa de ação estatal e tenha prazos dilatados.
A conclusão é inequívoca: as tarifas de 2025 não são apenas uma medida de política comercial, mas um recado político. Empresas brasileiras com exposição aos mercados dos EUA e da União Europeia precisam compreender que, num ambiente em que geopolítica e comércio se entrelaçam, a prevenção é indispensável.
Diversificação de mercados, adaptação contratual, implementação de programas robustos de trade compliance e planejamento societário internacional são passos essenciais para preservar receitas e competitividade diante de um cenário de pressão política travestida de medida econômica.
Fernando Augusto Queiroz Negrão é mestre em Direito Empresarial, advogado licenciado no Brasil (OAB) e Estados Unidos pelo Estado de Nova Iorque (BAR) e sócio da @ArborLex.



