O governo paulista lançou mais uma política setorial para tentar incentivar a indústria automotiva: o IncentivAuto. Um nome novo para uma ideia velha que nunca deu certo. Basta ver a história deste setor, que é o mais protegido de toda a indústria nacional.
A indústria automotiva veio para o Brasil em 1957. Não é de hoje que governos – independentemente de sua ideologia – tentam incentivar esta “jovem indústria nascente” que completa 62 anos em 2019.
Até 1990, com uma economia totalmente fechada, não havia necessidade de políticas para proteger setores específicos. Com a abertura comercial feita por Fernando Collor em 1990, começaram os pedidos de subsídios dos mais diversos setores. Em 1992, houve a Câmara Setorial Automotiva. Em 1995, foi o Regime Automotivo Brasileiro. Em 2013, o Inovar-Auto; e, em 2018, o Rota 2030. São nomes diferentes para um mesmo fim: fornecer empréstimos a juros subsidiados e redução da alíquota para montadoras de automóveis.
Neste mundo idealizado com políticas setoriais, vale mais a pena dar subsídio para montadoras que investir em esgoto para a população vulnerável do Nordeste
A intenção sempre foi nobre e, em um primeiro momento, parece fazer sentido: incentivar a economia local, aumentar investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D), desenvolver cadeia de fornecedores e – o mais importante – gerar empregos e renda.
Mas basta olhar para trás para ver se o que tentamos até agora tem dado algum resultado. E a resposta é: não deu. O Inovar-Auto, por exemplo, programa do governo Dilma Rousseff, fez a indústria automotiva nacional ficar momentaneamente competitiva. Mas a competitividade não veio do aumento de produtividade ou da melhoria na qualidade dos produtos, e sim de proteção. O programa do PT também não conseguiu gerar inovações relevantes no setor e não aumentou as exportações setoriais, além de gerar um enorme excesso de capacidade instalada.
Se fosse apenas a ausência de resultados, menos mal. O problema destas políticas carregadas de boas intenções para determinados setores é que estes programas sempre vêm acompanhados de um alto custo para os cofres públicos e para toda a população. A renúncia tributária do Inovar-Auto transferiu, em média, R$ 1,5 bilhão para a indústria automobilística por ano com contrapartidas frouxas. Isso representa a metade do que gastamos em saneamento no Nordeste. Neste mundo idealizado com políticas setoriais, vale mais a pena dar subsídio para montadoras que investir em esgoto para a população vulnerável do Nordeste.
Há poucas semanas, e em pleno 2019, o governo paulista repete os erros do passado e lança, com ares de inovação e modernidade, o programa IncentivAuto e atende aos apelos das montadoras. É verdade que o setor automobilístico passa por uma grave crise. A culpa, porém, é de governos que atenderam a simplesmente todas as demandas e pedidos deste segmento. Em vez de ganhar competitividade e se tornar mais eficiente, o setor se tornou dependente de subsídios e com regras de proteção que acabaram por prejudicar a própria indústria e a população. Em vez de fazer uso de fórmulas que já se provaram fracassadas, o governo de São Paulo poderia se inspirar nos bons exemplos, como o do agronegócio.
- Nossa matriz de transportes desequilibrada (artigo de Fernando Simões Paes, publicado em 13 de junho de 2018)
- Soluções para a dependência do transporte rodoviário no Brasil (artigo de Natalie Unterstell, publicado em 31 de maio de 2018)
- O automóvel na Revolução 4.0 (artigo de Wilhelm Milward Meiners, publicado em 26 de fevereiro de 2019)
Em 1990, o agronegócio passou pelo mesmo dilema da indústria automotiva e sofreu com a abertura comercial. Mas, como o setor era menos concentrado e o lobby deste segmento era menor, o governo não precisou ceder às pressões. Os subsídios para agricultura foram radicalmente cortados em pouco tempo. A abertura comercial afetou diversas empresas. Se antes produtores tinham cotas de produção e vendiam diretamente para o governo, no momento seguinte se viram podendo produzir mais e tendo de encontrar mercados para vender seus produtos. Por um lado, diversas empresas dos mais diversos portes quebraram, mas, por outro, as que sobreviveram se tornaram mais competitivas, com acesso a máquinas, equipamentos e fertilizantes de melhor qualidade vindos de outras partes do mundo. O governo teve, sim, um papel: fazer boas políticas públicas de apoio à inovação, sobretudo por meio da Embrapa e da Esalq.
Diferentemente do setor automotivo, hoje, o Brasil é um dos países com menos subsídios para agricultura em comparação com as demais nações. O resultado é que a produtividade cresceu 160% desde os anos 2000 neste setor, e temos plenas condições de competir com qualquer outro país do mundo.
A crise do setor automobilístico não é de um governo específico. É o resultado das nossas escolhas. Decidimos, como país, proteger uma indústria ineficiente em vez de apostar na abertura comercial e a integrarmos na cadeia global de produção. Agora São Paulo tem de decidir o que quer: aprender com o passado e se inspirar no que deu certo, ou repetir os mesmos erros e achar que desenvolvimento econômico é dar subsídio para grupos privilegiados.
Daniel José é economista com mestrado em Relações Internacionais por Yale. Ricardo Mellão é advogado especialista em Direito Administrativo. Ambos são deputados estaduais em São Paulo pelo Partido Novo.
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