Pauta de vários noticiários, no início de março, “O avesso da pele”, do autor Jeferson Tenório, ganhou destaque mediante orientação de secretarias da educação do Rio Grande do Sul, Paraná e Goiás para o recolhimento dos exemplares da obra nas bibliotecas escolares, o que levantou para um importante debate: por que a literatura incomoda tanto? Por que discutir o racismo causa tanto desconforto?
O avesso da pele foi escrito em 2020 e ganhou o prêmio Jabuti, a premiação literária mais importante do Brasil. Faz parte da lista de livros de leitura obrigatória do vestibular do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), considerado um dos mais concorridos de todo o país. E passou pelo crivo do Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD), do Ministério da Educação, para ser distribuído gratuitamente nas escolas públicas brasileiras. Então, por que o pedido de retirada da obra das bibliotecas escolares em três estados brasileiros?
A justificativa foi que a narrativa traz expressões impróprias para adolescentes e cenas de sexo. Será mesmo esse o motivo? É importante esclarecer que a obra de Jeferson Tenório não chegou nas bibliotecas escolares por gosto próprio de professores, diretores, pais ou comunidade. Essa seleção é feita pelo PNLD, que faz parte do Ministério da Educação, e tem como representantes: especialistas, mestres e doutores que seguem critérios de avaliação, previamente elaborados. É coisa séria a seleção.
Nesse sentido, pedir para retirar o livro das escolas por “achismo”, gosto pessoal, sem qualquer respaldo teórico, porque o livro incomoda, é uma interpretação individual e distorcida da obra e do papel da literatura. Com isso não quero dizer que um livro aprovado no PNLD deva ser aclamado por todas as críticas e leitores, que deva ser unanimidade. Mas devemos sim problematizar essa solicitação de retirada da obra nos três estados sem um debate sério, envolvendo pensamento teórico e reflexivo.
A reflexão que proponho é pensarmos por que a literatura incomoda tanto. E por qual motivo palavras de baixo calão e cenas envolvendo sexo causaram mais desconforto do que a violência e morte de corpos negros. A arte é isso: nos tira do lugar comum e nos convida para refletir, sentir e olhar de verdade. Enfim, precisamos formar leitores e não censurar livros.
Deisily de Quadros, doutora em Estudos Literários pela UFPR e professora da Área de Línguas e Sociedade do Centro Universitário Internacional Uninter.
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