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A recente declaração do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), relativizando a relação entre usuários e traficantes de drogas, reacendeu um importante alerta no debate público nacional. Nesse sentido, a fala do chefe de Estado pode transmitir uma mensagem perigosa, que fragiliza o enfrentamento ao crime organizado – um dos maiores desafios do país. A “Operação Contenção”, deflagrada no Rio de Janeiro e que resultou em ao menos 128 mortos (número que poderá aumentar), numa escalada de terror e medo no Complexo do Alemão, é o exemplo mais contundente e atual da guerra travada contra facções criminosas e o narcotráfico por parte das forças de segurança e do Estado.
Não se trata, aqui, de desconsiderar contextos sociais ou de discutir políticas públicas de saúde voltadas ao usuário. O que preocupa é a ambiguidade política de uma narrativa – a de Lula – que, no imaginário coletivo, pode ser interpretada como minimizadora da gravidade do tráfico de entorpecentes. Em uma nação que sofre com índices altíssimos de violência, com milícias, facções e disputas territoriais em grandes centros urbanos, qualquer declaração vinda da principal autoridade da República precisa ser cuidadosa, clara e responsável – e, de preferência, acompanhada de ações concretas e resultados positivos consistentes.
A impunidade ainda é um dos motores do crime no Brasil. E criminosos precisam ser tratados pelo que são: uma ameaça à ordem pública e ao convívio em sociedade
O narcotráfico, aliás, não é um fenômeno isolado. Esse mercado ilegal global, dedicado ao cultivo, à fabricação, à distribuição e à venda de substâncias proibidas, financia armas, corrompe instituições, enfraquece comunidades e impacta diretamente a vida de milhões de brasileiros. Faz também vítimas, incluindo as comunidades do entorno. Naturalizar ou suavizar essa realidade – ainda que de forma não intencional – ou radicalizar na contenção é enviar um sinal trocado à sociedade e, pior, aos próprios criminosos.
Declarações como a de Lula têm peso. Afinal, ocorrem justamente no momento em que se discute a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Segurança Pública que, embora não seja uma solução mágica nem perfeita, representa uma oportunidade de o Brasil fortalecer o debate legislativo sobre o endurecimento das leis penais, a integração entre as forças de segurança e a utilização de novos e eficientes instrumentos no combate ao crime.
Ao tornar a questão menor, a opinião do presidente da República fragiliza a narrativa de que o tráfico precisa ser combatido com rigor e desmobiliza a urgência política de pautar a segurança pública no Congresso Nacional. É evidente que a solução para a violência não passa apenas pela repressão – sobretudo sem planejamento e sem a proteção aos cidadãos comuns. Investimentos em tecnologia, inteligência, monitoramento de criminosos e prevenção à violência são imprescindíveis. No entanto, é preciso atacar o problema pela raiz, e isso inclui impedir a atuação de quem financia e comanda tal estrutura, patrocina a insegurança e lucra com a destruição de vidas.
A impunidade ainda é um dos motores do crime no Brasil. E criminosos precisam ser tratados pelo que são: uma ameaça à ordem pública e ao convívio em sociedade. O Brasil não pode permitir que mensagens e ações equivocadas atrapalhem o que é urgente – uma agenda concreta que valorize e promova segurança, que proteja vidas e que recupere a autoridade do Estado frente às facções.
Paulo Serra é especialista em Gestão Governamental e em Políticas Públicas e em Financiamento de Infraestrutura, Regulação e Gestão de Parcerias Público-Privadas (PPPs), pela Universidade de Harvard (Estados Unidos). Cursou Economia, é graduado em Direito, professor universitário no curso de Direito, e presidente da Executiva Estadual do PSDB de São Paulo, e foi prefeito de Santo André-SP, de 2017 a 2024.
Conteúdo editado por: Jocelaine Santos



