Recentemente, a modelo internacional, empresária e apresentadora Ana Hickmann foi vítima de violência doméstica e conforme os noticiários, ela prestou queixa contra o marido. A denúncia envolveu agressão física, verbal e ameaças. É chocante, não é? Mas por que isso nos choca tanto? No Brasil, segundo a pesquisa Visível e Invisível – a Vitimização de Mulheres no Brasil (2022), que foi realizada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública/Datafolha, revela que 35 mulheres sofrem por minuto algum tipo de violência em nosso país. Mas, dessa vez, foi com uma artista conhecida nacionalmente como Ana Hickmann: linda, loira, magra, influente e rica. A mim, apesar de ser assistente social e por isso já ter atendido diversas situações como essa, envolvendo mulheres de diferentes classes sociais, me impressionou não as diferenças, mas as semelhanças: Ana Hickmann tem 42 anos, eu também; é mãe, eu também; se casou em 1998 aos dezesseis anos, eu com o meu primeiro esposo também; foi vítima de violência deste marido, e eu também.
Neste sentido, o que causa o choque da nação, principalmente das mulheres, talvez venha deste paradoxo – ao mesmo tempo que ela é tão diferente de nós – vivendo no topo da cadeia alimentar capitalista, no auge do seu privilégio, possa ser e passar pelas mesmas coisas que a dona Maria, que a minha tia, que a minha amiga ou eu já passamos. Cabe a pergunta “o que leva um homem a fazer isso com a mulher que dizia amar, que construiu família, inclusive sendo ela a principal fonte do patrimônio do casal”?
Vivemos em uma sociedade machista e profundamente misógina. O que para muitos seria motivo de gratidão, pode ser justamente o motivo que leva um homem a tornar-se violento, ou seja, a ascensão social da mulher e não a sua própria. “Claro que não, são novos tempos!”, você pode dizer. Sim, estamos construindo novos tempos, porém Ana e seu esposo, assim como eu e meu primeiro marido, fomos criados no século passado, onde a masculinidade do homem tem como base a virilidade e o ato de prover, enquanto a função da mulher no ato de se submeter, “moldar” o relacionamento, aguardando pacientemente que o abusador passe de fera a príncipe. Mas isso não acontece. Isso nunca acontece!
Mas há esperança no fim do túnel. Não podemos mudar a nossa geração, infelizmente, mas podemos trabalhar pela redução de danos. Um exemplo é a campanha “Brasil sem Misoginia”, lançada no mês passado, com o objetivo de mobilizar diversos setores da sociedade para o combate ao ódio, à discriminação e à violência contra a mulher, principalmente nas redes sociais, envolvendo diversos setores da sociedade.
A misoginia (ódio, repulsa contra mulheres) é um fator propulsor de todas as formas de violência contra a mulher. “Os feminicídios não se resumem ao ato de matar, de tirar a vida de uma mulher. Eles começam antes. Eles começam com as piadas, com as brincadeiras, com maus-tratos, com a violência psicológica e moral”, disse a ministra da mulher Cida Gonçalves na cerimônia de lançamento do programa. “Piadas” e “brincadeiras” essas que, como vimos, a apresentadora sofria constantemente, até evoluir para a agressão física. Assim como já aconteceu com alguma parente sua, amiga, ou com você.
Por isso a importância de campanhas como essa. Não podemos tolerar, perdoar ou ignorar os sinais como a minha geração, da minha mãe e avó faziam. É de extrema importância que as novas mulheres já cresçam nessa nova perspectiva, em uma nova cultura: em que tanto as ações abusivas, como as atitudes condescendestes não podem ser toleradas.
Relly Amaral Ribeiro é graduada em Serviço Social com especialização em Metodologia do Ensino Superior e mestre em Serviço Social e Políticas Sociais. Tutora dos cursos de pós-graduação em Serviço Social do Centro Universitário Internacional Uninter.
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