A busca de comércio com a China tem sido recorrência milenar no imaginário histórico do ocidente. Nas grandes navegações, inclusive, o caminho marítimo para as Índias era designação indevida, a idear todo um oriente profundo, incluindo também China e Japão, como sabemos desde "as armas e os barões assinalados", como diria Camões.
Ainda muito antes do descobrimento Terra Brasilis, a dizê-lo com precisão histórica, ocorrido em meio à busca do oriente pelo ocidente, já se cultivava portanto a ideia da rota da seda, presente em civilizações marcantes da antiguidade. Rota como economia política, não como geografia, antes um esforço e ímpeto de concretizar o comércio com a China do que literalmente um caminho a seguir.
No mundo de claudicantes polaridades múltiplas a China é cada vez mais importante a impactar de forma global e em primeira grandeza.
Agora, com a viagem de Lula da Silva a Pequim, em aparatosa visita de Estado, "nihil novi sub sole" (“Nada de novo sob o Sol”), acompanhado de numerosa delegação, composta de empresários, governadores, ministros e membros do Congresso, temos uma manifesta revalorização da política externa. Com objetivos definidos a princípio em densa agenda comercial, mas não apenas nela, o programa projeta relevantes desdobramentos geopolíticos e institucionais, como lembra o embaixador Eduardo Saboia, secretário de Ásia e Pacífico, do Itamaraty: "As áreas são diversas, desde agricultura, mas a incluir educação, meio ambiente, cultura, ciência e tecnologia e finanças".
Se a agenda comercial pode se autoexplicar, a considerar os vultosos interesses em cotejo, a conjuntura mundial também impõe pauta de clamorosas urgências, em semana de especial complexidade no noticiário internacional, com a imputação de crime de guerra a Putin, e o rescaldo da visita melindrosa de Xi Jimping a Moscou.
No mundo de claudicantes polaridades múltiplas, a China é cada vez mais importante, impactando de forma global e em primeira grandeza. Para o Brasil, se há bem pouco se tratava de mera décima parceira comercial, hoje é de longe a primeira. Tanto em fluxo de comércio, como em investimentos diretos. Como decorrência, mais que parceira, tem-se a China de fato sócia inestimável, com a economia chinesa interatuando e influenciando de modo decisivo.
Uma recente sinalização nessa direção foi a escolha da atual secretária de Comércio Exterior Tatiana Lacerda Prazeres, que deixou clara a importância que o Palácio do Planalto passou a reconhecer nas relações sino-brasileiras, tomando em conta a expertise da nova gestora do comércio internacional, ex-senior felow da Universidade de Economia e de Negócios Internacionais de Pequim, a par de toda sua vasta trajetória técnica e acadêmica.
No que concerne à agenda de política internacional propriamente dita, no entanto, o encontro entre Lula da Silva e Xi Jinping não será apenas com céu azul, em especial no que se refere à inevitável abordagem da guerra de Putin. Nesse sentido, também estará na ordem do dia o plano de cessar-fogo patrocinado por chineses para a Ucrânia, porém, inaceitável para a União Europeia e para norte-americanos, como afirmou às pressas o porta voz da Casa Branca John Kirby. Uma trégua agora representaria indesejável consolidação de conquistas territoriais russas em solo ucraniano, como uma vitória retumbante e silenciosa para o Kremlin. O que diria Joe Biden? Serão tensões incontornáveis, por certo agravadas pelo momento mercurial que vive a China, com discursos marciais de seu presidente, sobre exércitos, armas e muralhas de aço.
Restará em aberto o desafio da redação da nota final do encontro, na qual muito pretenderá dizer Xi Jinping. Além das questões comerciais e de boas intenções recíprocas, deverão ser incluídas com certeza posições acerca do conflito. Posições de Xi Jinping, bem entendido, mas não tanto posições de Lula da Silva. Mais uma tarefa de Hércules para a escolada dicção e o apropriado saber fazer e saber dizer da diplomacia brasileira.
Jorge Fontoura é advogado e professor.
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