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Protesto contra o passaporte vacinal em Boston, nos Estados Unidos, no início de janeiro
Protesto contra o passaporte vacinal em Boston, nos Estados Unidos, no início de janeiro| Foto: EFE/EPA/CJ GUNTHER

Instituído com premissas de evitar a disseminação do novo coronavírus pelo transporte aéreo e com fins de se criar uma espécie de barreira sanitária nos aeroportos brasileiros, a exigência do chamado “passaporte vacinal” é, dentre todas as medidas que poderiam ser tomadas para esse fim, sem sombra de dúvidas a menos eficiente possível.

Em sua decisão monocrática que determinou ao Executivo brasileiro a implementação do controle alfandegário através da vista do comprovante de vacinação para Covid-19 como meio sine qua non para permitir a entrada de brasileiros e estrangeiros em território nacional, o ministro do STF Roberto Barroso se apoiou em premissas equivocadas, suportadas por pareceres técnicos “relâmpago”, que no mínimo foram açodados, para não falar outra coisa, da lavra de “medalhões” da Universidade de São Paulo, que afirmaram que “a imunidade conferida pela vacina é superior à imunidade vacinal”, “que a vacina confere proteção contra a transmissão” e que “não há base científica para a tese da imunidade natural aos que já enfrentaram e venceram a doença”, segundo notícias da mídia.

Se os eminentes professores responsáveis pelos “pareceres shazam” ou mesmo o ministro não desconfiaram da forma como a atual cepa, a ômicron, se espalhou pelo planeta, justamente se aproveitando do transporte aéreo que embarcava em sua vasta maioria pessoas com passaporte vacinal para voos internacionais, deveriam ao menos ter se debruçado nos mais de 150 artigos já publicados, ou em fase de publicação, que jogam por terra a assertiva de que não existe imunidade natural pós-infecção pelo Sars-Cov2. Também deveriam ter estudado as dezenas de artigos que mostram que as atuais plataformas vacinais jamais foram projetadas para evitar transmissão inter-humanos e sim, no seu limite, diminuir a incidência de doença entre os infectados. Um brilhante artigo, publicado no prestigioso British Medical Journal ainda em outubro de 2020, detalha com brilhantismo esse problema das plataformas vacinais. Como as atuais vacinas são incapazes de evitar uma transmissão eficaz inter-humanos por Sars-CoV-2, elas jamais poderiam ser a base de um programa de bloqueio sanitário.

Ao confiar em um comprovante de vacinação que apenas indica que a pessoa tomou doses de uma vacina que não é capaz de bloquear a cadeia de transmissão viral dessa doença, muito menos reduzi-la (ao menos na primeira semana de infecção), o resultado foi a ausência de um efetivo controle sanitário contra a cepa ômicron e qualquer outra relacionada ao novo coronavírus. Os números estão aí: o Brasil bate recordes históricos de casos diários de Covid-19.

Parece mais fácil fingir que se está fazendo alguma coisa, mantendo o teatro da higiene nos aeroportos, com apresentações inúteis de papéis de vacina que de nada adiantam, pois o vírus não precisa de visto para embarcar.

Resta claro que a medida adotada pelo ministro do STF, baseada em pareceres-relâmpago completamente equivocados e desprovidos de base científica real, não teve o efeito desejado e atendeu a uma agenda de coerção social para fins da manutenção de um verdadeiro teatro da higiene, em curso desde o início da pandemia, onde gestores adotam medidas coercitivas, abusivas e absolutamente inúteis, porém acompanhadas de muito espetáculo, apenas para dar ares de que estão agindo contra a escalada de infecções. Foi assim com o lockdown, o fechamento das escolas e de praias, e diversas outras medidas fracassadas adotadas até aqui.

Uma vez que resta demonstrado que o passaporte vacinal não serviu para fins de bloqueio sanitário nos aeroportos, nem nos portos, nem nos cruzeiros marítimos, nem nas festas de formatura, nem nas festas de fim de ano das empresas, nem em lugar algum, qual a solução para se tentar evitar o translado de novas cepas via viajantes? Não há uma resposta única, mas a testagem no embarque e desembarque, com kits de diagnóstico rápido, de todos os passageiros, de forma ordinária e regular (abolindo o aceite de testes feitos 24 a 72 horas antes por conta do viajante), o rápido direcionamento dos casos positivos para isolamento na origem (cidade onde fica o aeroporto, não no destino do passageiro) e a redução proporcional de assentos por filas para respeitar o distanciamento físico dentro da aeronave seriam medidas essenciais. Porém, diante do custo da operação, parece mais fácil fingir que se está fazendo alguma coisa, mantendo o teatro da higiene nos aeroportos, com apresentações inúteis de papéis de vacina que de nada adiantam, pois o vírus não precisa de visto para embarcar.

Francisco Eduardo Cardoso Alves, médico infectologista, é médico assistente da Secretaria de Estado de Saúde de São Paulo, perito médico federal e expert ad honorum da SSM/OEA.

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