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O tarifaço de Donald Trump sobre produtos importados não deve ser entendido apenas como decisão econômica. À luz da psicologia da Gestalt, o episódio das tarifas mostra como a percepção social organiza fenômenos complexos em padrões simplificados, capazes de esclarecer ou distorcer a realidade internacional.
Em 2018, Trump anunciou tarifas sobre aço, alumínio e outros produtos, inaugurando tensões comerciais. Em 2025, ampliou a medida para um número maior de países. O impacto foi imediato: mercados oscilaram, diplomatas se mobilizaram e analistas buscaram explicações. O discurso oficial sobre as tarifas falava em “desequilíbrio comercial”, ainda que, em casos como o Brasil, os EUA fossem superavitários. A contradição indica que o tarifaço não se explica só pela economia, mas também por uma estratégia política e perceptiva.
Ao reduzir fenômenos complexos a imagens binárias, Trump mobilizou percepções aparentemente coerentes, mas distorcidas. Esse movimento exemplifica o populismo na política externa: a exportação para o cenário internacional de lógicas simplificadoras já testadas no espaço doméstico
Na Gestalt, o princípio da pregnância descreve a tendência de organizar estímulos de forma simples e coerente. Em diplomacia, uma cerimônia estatal pode ser lida como reconhecimento de um território, mesmo sem valor jurídico – o cérebro prefere a interpretação mais estável. Aplicado às Relações Internacionais, o conceito mostra como líderes constroem narrativas simplificadoras. Trump apresentou o comércio como jogo de soma zero: “nós contra eles”. Países distintos, como Brasil, Índia e China, foram agrupados sob o mesmo rótulo de ameaça e por isso submetidos às tarifas.
Essa simplificação gera uma “boa forma” ideológica: clara, emocional e de fácil assimilação. A complexidade das cadeias globais e das normas da Organização Mundial do Comércio (OMC) cede espaço a slogans como America First ou Make America Great Again. Aqui, a pregnância se soma ao poder da linguagem curta.
Segundo estudo citado pela Newsweek, Trump se comunica em nível equivalente à quarta série escolar – o mais baixo entre os últimos 15 presidentes dos EUA. Ele também usa o menor número de palavras únicas: cerca de 2.605, contra 4.869 de Barack Obama. O vocabulário reduzido facilita a compreensão imediata, mas diminui nuance e sofisticação.
George Orwell, em 1984, já alertava: reduzir palavras restringe o pensamento crítico. No poder político, isso se torna arriscado, pois discursos simplificados, com frases curtas e rótulos fáceis, favorecem regimes de direita que dependem da polarização e da identificação de inimigos.
Esse recurso se aproxima do framing da ciência política: selecionar aspectos da realidade para moldar a percepção pública. Em vez de debate técnico sobre interdependência, a narrativa trumpista sobre tarifas recodifica o comércio como batalha patriótica. O resultado foi apoio interno, mas também atritos externos e enfraquecimento do sistema multilateral.
Ao reduzir fenômenos complexos a imagens binárias, Trump mobilizou percepções aparentemente coerentes, mas distorcidas. Esse movimento exemplifica o populismo na política externa: a exportação para o cenário internacional de lógicas simplificadoras já testadas no espaço doméstico. Mais que uma medida econômica, o tarifaço tornou-se um exercício de pregnância e de poder da linguagem. No curto prazo, deu clareza à sua base; no longo, comprometeu a previsibilidade e a estabilidade do comércio global.
Rafael Pons Reis é doutor em Sociologia Política, mestre em Relações Internacionais. Atualmente é professor no curso de bacharelado em Relações Internacionais do Centro Universitário Internacional UNINTER.
Conteúdo editado por: Jocelaine Santos



