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Ocupação de UTIs
Imagem ilustrativa.| Foto: Geraldo Bubniak/AEN

Os anos de 2020 e 2021 foram desafiadores sob todos os aspectos da vida humana. Certamente o mundo não viveu nos últimos 100 anos uma situação tão inusitada, uma pandemia por um vírus que veio habitar entre nós. Em poucos meses, abateu a economia dos países afetados, alterou as relações de comércio, viagens, relações profissionais e interpessoais e os sistemas de saúde foram levados a exaustão com uma sobrecarga poucas vezes vista.

Tivemos a conhecida pandemia da gripe espanhola em 1918, a “mãe das pandemias” que dizimou pelo menos 50 milhões de pessoas entre 1919 e 1920. Mas nada se compara com o que vivemos e enfrentamos com a Covid-19.

Felizmente, desde então o conhecimento científico e a gestão pública evoluíram bastante, o que permitiu diminuir enormemente as mortes causadas por doenças infecto contagiosas, que aparecem com frequência.

A fase mais crítica – ao que tudo indica – ficou para trás, graças à rapidez com que as vacinas foram desenvolvidas, mas a Covid-19 veio para ficar. Trata-se de uma doença que a partir de agora entra no rol das que exigem atenção permanente e contínua.

Do mesmo modo, a pandemia trouxe à tona outros desafios para a saúde pública, além do combate à Covid-19 em si. O que se observou é que países e cidades que tiveram uma boa resposta assistencial e de manejo frete à Covid-19 foram aqueles que já tinham sistemas de saúde melhor estruturados.

Portanto, é uma boa hora de trazer de volta a discussão sobre a necessidade de um rearranjo no sistema de saúde como um todo – país, estados e municípios – e, quiçá, lograr efetivar as mudanças necessárias.

Sistemas de saúde com boa resposta às necessidades de saúde da população são alicerçados em uma boa atenção primária à saúde. Porta de entrada do Sistema Único de Saúde (SUS), ela oferece grandes oportunidades de efetivamente qualificar a saúde da população, incluir mais gente no atendimento, diminuindo a ocorrência de situações graves preveníveis. Também o uso inteligente e criterioso dos recursos nessa área gera gastos públicos mais equilibrados. Mais saúde para a população e mais sustentabilidade financeira.

A valorização da atenção primária, entretanto, passa por um passo inicial importante. É preciso desmistificar uma concepção equivocada, mas muito recorrente, de que ela representa um “atendimento simplório” de saúde, como se ficasse numa espécie de segunda linha de prioridades. Não é. Ela permite que se reforce um sistema proativo, no lugar de um mais reativo, evitando que o cidadão ou cidadã precise recorrer ao sistema de saúde apenas quando sua situação de saúde se agrava.

Por exemplo, uma pessoa portadora de diabetes que é bem atendida na Unidade Básica de Saúde, faz exames regulares, controla seu nível glicêmico, cuida do coração, é orientada sobre alimentação e exercícios físicos tem um risco muito menor de sofrer um infarto agudo do miocárdio (IAM) ou um acidente vascular cerebral (AVC). Ocorrências graves como essas costumam deixar sequelas que resultam numa queda acentuada da qualidade de vida, além de um alto custo para a sociedade, na medida em que os cuidados de saúde ficam mais complexos, a medicação mais intensa e, muitas vezes, representam o fim da vida economicamente ativa, com aposentadoria precoce. Não é bom para ninguém.

Obviamente, é preciso deixar claro que não se trata de reforçar uma ponta desmerecendo outra. A atenção com os atendimentos de urgência e tratamentos de doenças precisam continuar sendo parte fundamental do sistema, com estrutura e recursos adequados. Um bom sistema de saúde é aquele que contempla todas as nuances necessárias ao atendimento adequado da população, no momento em que ela precisa.

Curitiba tem um histórico positivo na gestão da saúde, reconhecido nacionalmente, com muitas ações que podem e devem ser replicadas. A capital se estruturou para que o sistema de saúde promova o cuidado integral às pessoas, tendo investido na implantação de protocolos clínicos, melhoria de processos de trabalho multidisciplinares e avaliação e monitoramento dos indicadores de saúde da população, entre outras várias iniciativas.

Um exemplo é o programa Escute Seu Coração, que orienta as pessoas a criar hábitos saudáveis, praticar atividade física e diminuir o tabagismo. Não à toa, Curitiba vem reduzindo o porcentual de fumantes entre sua população. Ela já foi a capital com maior incidência de tabagismo do país em 2016, mas reverteu a tendência e vem caindo no ranking da Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas (Vigitel), do Ministério da Saúde. A capital do Paraná também foi pioneira na criação do sistema de prontuário eletrônico integrado a ações de vigilância epidemiológica e aos prestadores de serviços ambulatoriais e hospitalares. A olhos leigos, isso pode parecer mera burocracia, mas no dia a dia da gestão, o sistema ajudou a diminuir o tempo de espera de consultas de especialidades, entre outros benefícios. Quando a Covid-19 chegou, ele foi fundamental para que decisões urgentes pudessem ser tomadas rapidamente e de maneira assertiva.

Além disso, a capacitação efetiva das equipes nos permitiu durante a pandemia promover rapidamente uma ampla reorganização da rede de atendimento, de forma a suportar um excesso de demanda que em outros municípios representou colapso do sistema ou gastos altíssimos no improviso de se levantar hospitais de campanha. Ou seja: quando a Covid-19 chegou, a cidade já estava preparada e pode oferecer atendimento adequado a todos os pacientes.

Com a pandemia ficando para trás, chegou a hora de aproveitar a experiência e o aprendizado trazidos por ela para valorizar e reforçar o sistema e promover mudanças que tragam mais qualidade para a população, numa área que é fundamental para todos, que é a da saúde. Postergar mudanças que precisam ser feitas costuma ter um custo alto na saúde pública.

Márcia Huçulak é ex-secretária municipal de Saúde de Curitiba e assessora técnica da Prefeitura de Curitiba.

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