No começo do mês, a Câmara dos Deputados rejeitou a urgência do Projeto de Lei 2630/2020, vulgo PL das Fake News. Se aprovado, as mudanças estarão vigentes ainda nas eleições deste ano. O texto tem sido muito criticado por afrontar a liberdade de expressão.
Feito às pressas e fruto da aglutinação de 80 propostas, o projeto trata de temas amplos de maneira confusa. A proposta institui um Estado policialesco no qual empresas serão obrigadas a armazenar mensagens privadas, violando a inviolabilidade de correspondências. Ademais, há uma pauta que tem sido ignorada: os efeitos da regulação das redes sobre as minorias.
Tendo como seus maiores defensores os partidos de esquerda, esse projeto mira no combate à disseminação de notícias falsas, mas atinge a ascensão de negros no debate público.
As redes sociais são hoje mecanismos de potencializar gente que por muito tempo ficou despercebida. O caso de Iran Ferreira, o Luva de Pedreiro, prova que a internet chega aos locais abandonados pela lupa social. No debate público não é diferente. As redes são uma ágora muito mais eficaz na inclusão de negros do que a política tradicional.
É curioso que os apologistas dessas limitações às redes proposta no PL das Fake News beberam na fonte de Manuel Castells, autor de A Sociedade em Rede. O sociólogo espanhol defende que as redes permitem a ascensão de agentes políticos externos aos esquemas dominantes de poder, sendo aliadas da democracia. Mas, agora que a direita também passou a usar as mesmas redes sociais, os argumentos de Castells não valem mais e as redes, no entender dos defensores do projeto, devem ser limitadas.
Outro ponto interessante é em relação ao chamado racismo estrutural. O progressismo aposta na tese de Sílvio Almeida de que haveria um “racismo estrutural” no Brasil, agindo nas relações sociais, políticas e econômicas, determinando a sujeição dos negros à posições subalternas, distantes do poder. Não concordo com a premissa de Almeida, mas busco alcançar soluções que favoreçam a inclusão dos negros nas instâncias decisórias. E as redes ajudam nesta inclusão com mais efetividade que a política tradicional, com sua concentração de poder e dinheiro nas mãos de gente pouco interessada em renovação.
Das redes brotaram nomes como Fernando Holiday. Nascido em uma das zonas mais pobres de São Paulo, despontou como liderança no impeachment de Dilma e foi o mais jovem vereador em São Paulo. Murilo Duarte, o “Favelado Investidor”, cresceu na periferia e dissemina conhecimento sobre finanças para os mais pobres, angariando milhões de seguidores. Eu também sou uma prova viva. Com 22 anos, negro e trabalhador, tornei-me um dos líderes do MBL. Conquistei isso graças ao meu trabalho em redes, não na militância partidária tradicional.
Saindo da direita, temos o socialista Thiago Torres, conhecido como “Chavoso da USP”, negro e estudante de Ciências Sociais. Através de seus milhares de seguidores, dissemina as ideias marxistas. Discordo de suas teses, mas é óbvio que ele tem mais sucesso que partidos comunistas tradicionais como PCO e PSTU.
Está claro que a nova política produz alternância de poder entre os polos dominantes, com viés de renovação e inclusão de sexo e cor. E as redes sociais têm um papel importante nesse processo. Por isso, a esquerda age em relação à PL das Fake News da mesma forma como que atua em outras pautas: alegando defender a democracia, a ataca ferozmente, lutando para limitar seu potencial.
Guto Zacarias é membro do Movimento Brasil Livre (MBL).
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