Em 2012, o X (ex-Twitter) abriu seu escritório no Brasil e, desde então, vinha adotando uma postura colaborativa com o Poder Judiciário, com o atendimento de ordens judiciais para remoção do ar de conteúdos ilegais e entrega de logs. Essa, inclusive, é a postura preponderante entre as empresas de tecnologia chamadas de Big Techs
Mas houve uma mudança de postura: em 17 de agosto, o X anunciouo fechamento do seu escritório no Brasil. Dias depois, o ministro Alexandre de Moraes determinou a suspensão da plataforma, até que todas as ordens de remoção de páginas do ar fossem cumpridas e que um representante legal fosse indicado. Nesse momento, a plataforma está fora do ar. Moraes ainda determinou à Apple e ao Google que retirassem das suas app stores o aplicativo X e os aplicativos que possibilitassem o uso de VPN. O ministro depois suspendeu a execução desse item da decisão. Por fim, determinou a aplicação de multa diária de R$ 50 mil às pessoas físicas e jurídicas que utilizassem subterfúgios tecnológicos para acessar o X, como o uso de VPN. Essa parte da decisão está vigente.
Questões políticas à parte, do ponto de vista de responsabilidade, o Marco Civil da Internet estabelece que a plataforma que oferta serviços ao público brasileiro, ainda que as atividades sejam realizadas por empresa sediada no exterior, deve respeitar a legislação brasileira. Portanto, dúvida não há sobre esse ponto.
O desafio é o tempo. Embora existam mecanismos processuais para a colaboração entre países para cumprimento de ordens judiciais, tratando-se de procedimentos que fogem do comum, podem levar meses para serem bem-sucedidos. E o tempo é elemento fundamental para estancar um ilícito digital.
O que fica claro é que para superar o desafio de cumprimento de ordens judiciais típico dos tempos digitais, novas soluções jurídicas terão que ser criadas
Atualmente, citações e intimações em processos judiciais já podem ser feitas de forma eletrônica. O problema é quando se exige intimação pessoal: o STJ editou a Súmula 410, que exige a prévia intimação pessoal do devedor como condição necessária para a cobrança de multa pelo descumprimento de uma obrigação.
Sem um representante legal no país, sobram ao Poder Judiciário opçõesmuito extremas, como determinar a suspensão da plataforma. Obviamente, os bloqueios não são bons sob o ponto de vista econômico e, sobretudo, não são bons para os milhares de usuários. E nesse cenário conturbado, é provável que o X assuma o risco de perder receita e siga descumprindo as ordens.
É provável que as provedoras de VPN passem a ser protagonistas do debate. Isso porque as decisões proferidas até o momento sinalizam a intenção de envolvê-las na tentativa de dar cumprimento integral ao comando judicial, pois esse tipo de recurso poderia simular um acesso partindo de outro país.
A VPN é um recurso usado para estabelecer um canal de conexão seguro entre dispositivos que estão se comunicando através da Internet. É uma ferramenta de segurança da informação, utilizada para proteger operações on-line. Assim, retirar aplicativos de empresas provedoras de VPN das app stores parece ser um excesso. Ainda, a ideia de apurar quem utilizou seus serviços especificamente como um recurso para burlar a suspensão de acesso ao X no território nacional, um trabalho tecnicamente hercúleo.
Nesse cenário, emerge a preocupação sobre governança de VPN para as empresas de outros segmentos, que corriqueiramente usam esse recurso para prover acesso seguro aos seus empregados no trabalho remoto. Regras de governança precisão ser revisadas para monitorar o uso dessas ferramentas pelos empregados, de modo a proteger as companhias de denúncias de acesso ao site banido, por meio de sua infraestrutura tecnológica.
Caso esses cenários se concretizem, o impacto no mercado, em especial no de tecnologia pode ser enorme. São milhares de provedores de serviços de VPN, com servidores espalhados em inúmeros países pelo mundo, que ofertam serviços para mais de 70 milhões de consumidores brasileiros. Seria desproporcional.
O que fica claro é que para superar o desafio de cumprimento de ordens judiciais típico dos tempos digitais, novas soluções jurídicas terão que ser criadas. A realidade de empresas globais de tecnologia, que prestam serviços que podem ser considerados essenciais para a sociedade, está posta. Agora, é repensar as ferramentas jurídicas que façam sentido nesse mundo digital.
Renato Opice Blum, advogado e economista, é professor de Direito Digital, Proteção de Dados, Inteligência Artificial e Segurança da Informação no INSPER/ESPM/FAAP/Mackenzie e presidente da Comissão de Estudos de Novas Tecnologias, Neurodireitos e Inteligência Artificial do IASP; Camilla Jimene, advogada e professora especializada em Direito Digital, é coordenadora da pós-graduação em Direito Digital na Escola Paulista de Direito e coordenadora do Comitê de Estudos em Compliance Digital da LEC - Legal, Ethics& Compliance.
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