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Vivemos em uma sociedade que aplaude quem nunca erra, valoriza quem produz sem parar e exalta quem ostenta sucesso e felicidade constante. Esse cenário cria uma ilusão perigosa: a de que precisamos ser perfeitos, exemplares, produtivos e sempre em controle. Quando olhamos para o universo dos apostadores compulsivos, essa ilusão se torna ainda mais cruel. Muitos pacientes relatam o medo de serem julgados ou criticados pela família e, por isso, escondem sua relação problemática com os jogos de apostas. O vício, então, não aparece apenas como um hábito destrutivo, mas como um segredo sufocante, guardado em silêncio por aqueles que acreditam que não podem falhar.
Essa dinâmica é reforçada por um contexto cultural. No Ocidente, aprendemos desde cedo a valorizar a produtividade, a conquista e o desempenho. Com as redes sociais, essa pressão se intensifica: vemos diariamente a representação do “super pai”, da “super esposa”, do “super profissional” – todos sorrindo, vitoriosos, como se a vida fosse feita apenas de acertos. Não há espaço para a vulnerabilidade.
Quando o apostador consegue sair do esconderijo e se apresentar à família como alguém humano, que sente dores e que tem falhas, um movimento importante acontece – o ciclo da compulsão começa a perder força
O resultado é um terreno fértil para que muitos apostadores compulsivos entrem em um verdadeiro labirinto psicológico. Internamente, lutam contra a crença de que não podem decepcionar. Externamente, sentem o peso cultural da perfeição. Na prática, fazem empréstimos, acumulam dívidas e escondem o problema, mantendo o ciclo das apostas em segredo.
Na minha prática clínica, percebo que aqueles que conseguem romper com essa representação idealizada apresentam taxas de sucesso maiores no tratamento. Quando o apostador consegue sair do esconderijo e se apresentar à família como alguém humano, que sente dores e que tem falhas, um movimento importante acontece – o ciclo da compulsão começa a perder força.
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Mostrar-se imperfeito não é sinal de fraqueza, mas de coragem. É o primeiro passo para interromper o automatismo das apostas, buscar apoio real e construir novas estratégias de enfrentamento.
A mensagem que precisa ser reforçada é simples, mas poderosa: ninguém precisa carregar sozinho o peso de parecer perfeito. Apostadores compulsivos que encontram espaço para compartilhar sua luta, sem máscaras, conseguem enxergar novas saídas para o labirinto.
Romper o silêncio é o início de um caminho de recuperação. E, nesse processo, a família pode deixar de ser o espaço do julgamento para se tornar um espaço de acolhimento – essencial para que a vida volte a ser maior do que a roleta online, o bilhete da loteria ou o brilho sedutor do “tigrinho”.
Angelo Mattioli é psicólogo clínico, economista comportamental, especializado em compulsões por jogos de apostas e compras.
Conteúdo editado por: Jocelaine Santos



