“Vem vamos embora que esperar não é saber, quem sabe faz a hora não espera acontecer”, diz os versos do Vandré. Agora, decorridos mais de três anos do início da campanha de vacinação contra Covid-19 no Brasil, uma pergunta que não quer calar, qual a razão para a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) não ter atualizado sua vacina contra Covid-19 para a variante XBB.1.5?
Em nossa gestão foram adquiridas mais de 700 milhões de doses de vacina, por intermédio de estratégia diversificada. A principal aposta do Ministério da Saúde foi a produção de vacinas com insumo farmacêutico ativo nacional, pela Fiocruz, a qual garantiria autonomia para produção de vacina contra Covid-19 no país. Mas também adquirimos 350 milhões de doses de vacina a farmacêutica Pfizer, sendo a última aquisição de 50 milhões de doses em 30 de dezembro de 2022, sem a qual não teríamos vacinas contra a Covid-19 para continuidade da campanha de vacinação, inclusive a dose de reforço que foi aplicada no presidente da República.
Durante a pandemia de Covid foi cantado, em verso e prosa, a eficiência da vetusta casa de Oswaldo Cruz. Enfim, fora realizada a transferência de tecnologia obtida em curto lapso temporal, embora quase nunca se desse o devido crédito ao Ministério da Saúde, que financiou o projeto com investimento de cerca de R$ 2 bilhões de reais.
Quase um ano após o fim da pandemia, o governo federal tropeça, como destacou em editorial recente a Folha de S. Paulo, na oferta de vacinas atualizadas contra Covid-19. Foram adquiridas cerca de 12 milhões de doses de vacina “atualizada” à farmacêutica Moderna, número insuficiente para garantir doses de reforço para os brasileiros em 2024. Qual a razão de tamanho descaso e incompetência? Recentemente, foi noticiado pela imprensa que a AstraZeneca admitiu, pela primeira vez, à Justiça a ocorrência de efeito colateral raro na vacina que produz contra Covid-19. A vacina produzida pela Fiocruz ficou obsoleta?
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária, em 18 de abril de 2024, aprovou a atualização da vacina contra Covid-19 para a cepa XBB.1.5, da empresa indiana Zalika Farmacêutica Ltda, produzida pelo Instituto Serum, o mesmo que forneceu ao Brasil a vacina AstraZeneca (Covishield), no início de 2021. Segundo a Anvisa, para a atualização, foram atendidos os critérios técnicos de qualidade, segurança e eficácia, previstos na legislação.
A vacina indiana atualizada utiliza a tecnologia do vetor viral recombinante, a mesma da vacina já produzida com insumo farmacêutico ativo nacional pela Fiocruz. Qual a razão de não se atualizar para a cepa circulante do vírus a vacina já produzida no Brasil? Mesmo que vacinas produzidas com a tecnologia do RNA mensageiro tenham “vencido” a guerra mercadológica, a Anvisa acabou de conceder o registro a uma nova vacina (recombinante). Se a essa tecnologia não é obsoleta, qual a razão para concessão do registro?
Na época em que estava à frente do Ministério da Saúde, defendi, em entrevista à Folha de S. Paulo (4 de junho de 2022), que a vacina Vaxzevria, produzida pela Fiocruz, seria ofertada no Programa Nacional de Imunização como primeira opção, exceto para crianças, adolescentes e gestantes. Vale dizer, que a opção pela tecnologia do vetor viral recombinante, desenvolvida pela Universidade de Oxford, foi feita pela Fiocruz, à época presidida pela atual ministra da Saúde.
Os brasileiros merecem uma explicação, pois “ninguém assistiu ao formidável enterro da tua última quimera (vacina)”, pelo dito ou não dito, em prosa ou em verso, escrevo “pra não dizer que não falei das flores”.
Marcelo Queiroga é médico cardiologista e ex-ministro da Saúde.
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