Como eu faço parte do Global Farmer Network, uma rede mundial de agricultores, eles solicitaram um resumo do que aconteceu no Brasil nesses últimos dias em relação à Danone. Eu fiz um relato na primeira pessoa, não como um autoelogio, mas para realçar como apenas uma pessoa pode começar um grande movimento. Acredito que serve de lição para todos os agricultores. Qualquer um pode fazer, basta dar o primeiro passo. Veja a cronologia dos fatos:
Sexta-feira (25/10): O CFO da Danone Global dá uma declaração à Reuters dizendo que a empresa não comprará mais soja do Brasil, justificando a falta de sustentabilidade. A notícia se espalha e várias agências do mundo todo replicam a informação. Fico preocupado e tento um contato com a Danone. Ligo em vários telefones e não consigo falar com ninguém.
Nós, agricultores, não fazemos ideia da força que somos. Basta relembrar que temos uma das mais nobres missões nesse mundo: a de produzir alimentos
Nenhuma pessoa fala comigo nesse dia. E aqui fica a primeira lição: toda empresa deve ter um canal de comunicação fácil e ágil, onde fornecedores e clientes possam ter algum tipo de comunicação.
Sábado (26) e domingo (27): começo a contatar várias lideranças e entidades do setor, inclusive a Associação de Produtores de Soja do Brasil (Aprosoja), para que se manifestem a esse respeito.
Segunda (28): ainda tento um novo contato com a Danone. Encontrei o CEO da empresa no Linkedlin e enviei uma mensagem. Não obtive resposta.
Terça-feira (29): às 5h30, sem nenhum contato com a empresa, faço a primeira postagem. É a letra “X”, em vermelho, dizendo não aos produtos da empresa. A campanha ganha uma inacreditável tração, se espalhando pelas diferentes mídias (Instagram, Face, Linkedlin, grupos de whatsapp...). Várias lideranças e influenciadores começam a impulsionar a campanha. Começa a crescer a ideia de boicote aos produtos da empresa. A Aprosoja emite uma declaração, condenando a atitude da companhia. Às 11 horas, a Danone Global entra em contato, via Linkedlin, e afirma que a soja brasileira é essencial para a empresa. Eu peço que eles emitam uma nota e distribuam para a imprensa.
Aqui abro um parêntesis para enriquecer esse assunto. É importante nessa nossa luta em defesa do agro, deixarmos as nossas diferenças políticas de lado e somarmos todas as forças possíveis. Mesmo sendo um governo de um posicionamento político diferente do meu, entro em contato com o atual ministro da Agricultura, Carlos Fávaro. Ele concorda e imediatamente emite uma nota oficial do Ministério da Agricultura do Brasil, também condenando a atitude da empresa.
Após o almoço, a empresa emite uma nota mudando e corrigindo a declaração do seu CFO. Em praticamente todos os grandes jornais e revistas do Brasil, inclusive na Gazeta do Povo, foram publicadas matérias sobre essa mudança de posição. Algumas manchetes saíram até engraçadas: “Danone desmente a Danone”, ou “Danone desmente diretor e diz que compra soja do Brasil. Mas o leite já estava derramado”.
Qual a lição do caso da Danone? Nós, agricultores, não fazemos ideia da força que somos. Basta relembrar que temos uma das mais nobres missões nesse mundo: a de produzir alimentos. É preciso saber também ganhar o coração dos nossos consumidores, pois eles serão valiosos aliados nessa valorização da nossa profissão.
O que precisamos descobrir futuramente é quais pontos comuns um agricultor do Brasil tem com o seu colega nos EUA, Uruguai, Canadá, Europa, África ou Ásia. Descoberto isso, poderemos ter uma poderosa voz na defesa da produção agro-pastoril. Até porque, nesse exato momento, em algum canto do planeta, está acontecendo algum congresso ou seminário falando de agricultura, mas, na maioria dos casos, infelizmente, sem a presença de um agricultor. Você encontra nesses eventos ativistas, cantores, artistas, políticos e tantos outros, mas não está presente aquele que coloca a mão na terra e sabe o que é labuta diuturna do campo.
No Brasil, nós temos um ditado que afirma que “pássaros da mesma pena voam juntos”. É o momento de agricultores de todos o mundo alcançarem voos mais altos!
Antonio Cabrera foi ministro da Agricultura e Reforma Agrária.
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