Impossível imaginar a vida contemporânea sem internet ou celular. Quando surgiram, essas tecnologias precisaram de tempo para serem assimiladas pelo grande público. Já o trabalho híbrido, com jornadas que se revezam entre o escritório e a casa das pessoas, com a tecnologia no centro da rotina profissional de milhões de pessoas, está totalmente incorporado no mundo todo. É uma verdadeira revolução silenciosa que está acontecendo no mercado de trabalho, bem diante dos nossos olhos: a transferência de protagonismo das empresas para os talentos, impulsionada pela escassez de profissionais qualificados, e como essa nova dinâmica deve impactar as estratégias das corporações.
O modelo predominante na relação de trabalho de anos atrás seguia a lógica da “empresa dos sonhos” onde os profissionais eram atraídos por um bom salário e um plano de carreira que incentivava a permanência em um mesmo emprego ao longo de décadas. É fácil encontrar pessoas da geração com mais de 50 anos com não mais do que dois registros na carteira de trabalho, uma lógica incentivada por aspectos econômicos e sociais que ensinaram o brasileiro a conviver com a instabilidade da economia e o fantasma do desemprego, incentivando mais ainda um comportamento conservador que acabava por supervalorizar o emprego.
A empresa tinha a vantagem de ser uma provedora em um ambiente de escassez de oportunidades, mas essa visão está mudando, mesmo que o desemprego continue a assombrar o brasileiro. Salário e estabilidade são importantes, mas não são mais suficientes para atrair e reter profissionais, em especial das gerações mais novas.
De acordo com um recente estudo global sobre o que os trabalhadores esperam de seus empregadores, um grande senso de propósito guia as escolhas de carreira da força trabalhadora mundial. No material, publicado em abril deste ano, 68% dos entrevistados entre 18 e 34 anos afirmam que felicidade no trabalho é um fator fundamental em suas decisões profissionais. Ainda de acordo com o estudo, 47% dos trabalhadores da América Latina deixaram seus empregos por não se encaixarem com seus estilos de vida, índice bem maior do que a média global.
Enquanto Baby Boomers e a Geração X sonhavam em fazer carreira em uma empresa e ter a casa própria, os profissionais nascidos a partir de 1981 são guiados por um senso de propósito e a busca constante por empregos que lhes proporcionem as melhores experiências ao invés de estabilidade.
Com uma força trabalhadora mais esclarecida e exigente, as empresas são confrontadas por um novo desafio: uma onda mundial de escassez de profissionais qualificados que aumenta a competitividade pelos melhores talentos. Esse fenômeno foi intensificado pela pandemia, que acelerou o processo de transformação digital e gerou novas demandas de mercado. Como resultado, vê-se uma mudança no balanço de poder das empresas para os profissionais, em especial em alguns setores onde o gargalo já pode ser considerado crítico, como o de tecnologia que, de acordo com dados da Associação das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação e de Tecnologias Digitais (Brasscom), terá um déficit de 530 mil profissionais entre 2021 e 2025.
O caminho para as empresas resolverem parte dos problemas estruturais do mercado de trabalho é ouvir os anseios da força trabalhadora para tornarem sua marca empregadora mais atraente, considerando que a flexibilidade aparece como aspecto importante para profissionais do mundo todo. De acordo com o estudo Workmonitor, 71% dos trabalhadores em nível global e 85% no Brasil, anseiam por arranjos mais flexíveis, dividindo suas jornadas entre trabalho presencial e remoto.
A pesquisa descobriu ainda que o horário do expediente também vem sendo questionado: 90% dos trabalhadores brasileiros consideram importante ter horas de trabalho mais flexíveis, ficando acima da média global, que foi de 83%. Ficou evidente que empresas que investirem em modelos de trabalho mais inovadores, como rever o tradicional expediente das 9 às 18 horas, podem sair na frente na competição por talentos.
Outra solução está em atrelar propósito ao desenvolvimento. Os trabalhadores brasileiros encaram a oportunidade de capacitação e desenvolvimento como um fator fundamental na hora de tomar a decisão de ficar ou mudar de emprego. Logo, criar programas e espaços que permitam a qualificação não só torna as empresas mais atraentes, como forma os profissionais para atender as demandas do mercado. Estamos diante de uma das maiores transformações no mundo do trabalho. A máxima de que o mercado sempre tem espaço para bons profissionais nunca foi tão verdadeira.
Fabio Battaglia é formado em Engenharia de Produção pela Universidade de São Paulo (USP) e com MBA em General Management pela IESE Business School de Barcelona. É CEO da Randstad no Brasil.
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