J.P. foi do sonho ao pesadelo em dois dias. Num, comprou sua tão sonhada casa. Noutro, soube que o imóvel teria que ser demolido. A transação foi feita por corretor de sua confiança que avaliou o imóvel no valor que ela podia pagar. Assim que se mudou, a senhora J.P. começou a perceber alguns problemas no imóvel: rachaduras, infiltrações, instabilidade na rede elétrica, além da nítida sensação de que a casa estava meio torta. Às pressas, e já sem muitos recursos, contratou um engenheiro de avaliações para verificar a situação da casa. O parecer foi cirúrgico: a casa possuía uma série de problemas estruturais relacionados às condições do terreno e à qualidade do material usado na construção e, em breve, poderia desabar. A solução seria demolir e construir outra casa após preparar o terreno para uma nova edificação mais segura, o que exigiria um vultoso investimento. Mas J.P. não dispunha de recursos, pois usou todas as suas economias para comprar o imóvel. Até hoje a questão arrasta-se nos tribunais e J.P. voltou a morar de aluguel.
Comprar ou vender um imóvel. Adquirir crédito para financiamento imobiliário. Precificar bens para partilha no âmbito deprocessos de divórcio ou inventário. Essas e tantas outras demandas judiciais ou comerciais envolvem a avaliação de bens imóveis. Ao contrário do que pensa uma parte da sociedade, e de informações que se vê na mídia, que atribui essa atividade aos corretores de imóveis, a legislação brasileira prevê que a avaliação de bens imóveis, é prerrogativa de engenheiros. São esses profissionais que, em sua formação acadêmica, adquiriram as devidas qualificações para elaborar parecer técnico em conformidade com as normas estabelecidas pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), que engloba uma gama de conceitos e cálculos que oferecem como resultado um parecer fundamentado em conhecimentos técnicos. Nesse processo reside a segurança para as partes interessadas no resultado da avaliação.
A Lei 5.194/66 (art.7º, “c”), que rege as profissões de engenheiros e engenheiros agrônomos, estabelece, dentre as suas atribuições profissionais, a realização de “avaliações, vistorias, perícias, pareceres”. Essa condição é amparada pelas resoluções218/73 e 345/90 do Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (Confea), que dispõem sobre a regulamentação das profissões da engenharia e da agronomia, e sobre o exercício por profissional de nível superior das atividades de Engenharia de Avaliações e Perícias,respectivamente. Além disso existe farta jurisprudência que reconhece o papel do engenheiro como profissional apto para essa atividade em conformidade com a leiem vigor.
Já na Lei 6.530/78, que regulamenta a profissão de corretor de imóveis, não figura a competência desses profissionais para a avaliação de imóveis, atribuindo-lhes apenas a competência de “exercer a intermediação na compra, venda, permuta e locação de imóveis, podendo, ainda, opinar quanto à comercialização imobiliária”, ou seja, sua atuação restringe-se aos processos de comercialização podendo apenas opinar quanto à comercialização imobiliária.
Diante disso, o Conselho Federal dos Corretores de Imóveis (Cofeci), publicou a Resolução 1.066/07 que, em flagrante conflito com a lei vigente(Lei 5.194/66),institui a figura do Parecer Técnico de Avaliação Mercadológica (PTAM), documento emitido exclusivamente por corretores de imóveis para atestar o valor do imóvel. Ocorre que, uma resolução de órgão regulador de profissão não se sobrepõe a uma lei federal, o que configura uma ilegalidade na atuação dos corretores de imóveis. No entanto, por falta de conhecimento da sociedade sobre os meandros da lei, o mercado de avaliação de imóveis vem sendo, sub-repticiamente, tomado pelos corretores de imóveis em detrimento não apenas dos engenheiros, mas também das pessoas que fazem uso desse serviço.
A categoria de corretores de imóveis vem divulgando de forma equivocada nas mídias, em suas mais diversas formas,que é o único responsável pela avaliação de imóveis. Um claro exemplo de propaganda enganosa. Essa prática pode acarretar prejuízo em operações como a compra, a venda ou o financiamento de um imóvel ou na cobrança de impostos.
Fazendo valer o disposto na Lei 5.194/66, bancos como a Caixa Econômica Federal, o Banco do Brasil e outras instituições financeiras exigem que a avaliação de imóveis objeto de financiamento imobiliário ou os que estejam envolvidos em ações judiciais, alienação fiduciária, garantia, penhora ou hipoteca seja feita exclusivamente por engenheiros de avaliação. Na mesma linha, órgãos tomadores de serviços como a Secretaria de Patrimônio da União (SPU), também recorrem aos engenheiros para obter a avaliação de bens e imóveis.Importante frisar que, além do impeditivo legal para a realização de avaliações e emissão de pareceres por corretores de imóveis, existe uma questão, abordada na Resolução 4.271/13 do Banco Central do Brasil que diz respeito à isenção do avaliador, segundo a qual, em seu artigo 1º, “a avaliação do imóvel deve ser efetuada por profissional que não possua qualquer vínculo com a área de crédito da instituição concedente ou com outras áreas que possam implicar conflito de interesses”. Neste caso, o conflito de interesses reside na condição do corretor de imóveis como interessado na efetivação da transação financeira.
Diante dos argumentos jurídicos aqui elencados, faz-se necessário e urgente que a sociedade seja melhor esclarecida sobre os procedimentos de avaliação de bens imóveis, sobre a prerrogativa da atuação dos engenheiros nessa seara e sobre a necessária qualificação para realizar essa atividade para evitar a tomada de decisões equivocadas em relação a assunto de tamanha importância e que podem ter impactos desastrosos, como o que ocorreu com a senhora J.P.
Amarilio Mattos Junior é presidente do Instituto Brasileiro de Avaliações e Perícias de Engenharia (Ibape Nacional).
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