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A rachadinha institucionalizada: a cobrança de contribuições em partidos

A discussão precisa sair das sombras e ocupar o centro do debate democrático. Afinal, democracia de verdade não combina com rachadinha institucionalizada. (Foto: Imagem criada utilizando Open AI/Gazeta do Povo)

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Pipocou na imprensa esse mês a notícia da suspensão das eleições internas do PT em Minas Gerais. O motivo? Uma das candidatas não estava em dia com o partido, devia ao partido, e por isso não poderia ser candidata. Ela comprovou que pagou o boleto, a justiça interveio, cancelou a eleição interna e prorrogou o prazo. Mas o ponto aqui não é esse. O ponto é o quanto esse episódio escancara uma realidade presente em diversos partidos no Brasil.

No passado, quando os partidos mal conseguiam se manter, era natural e até louvável que militantes, especialmente aqueles que ocuparam cargos eletivos, ajudassem a manter a estrutura partidária. Era um momento de reconstrução, de fortalecimento dos partidos. O problema é que, com a chegada do fundo partidário e do fundo eleitoral, essas práticas não só continuaram, como passaram a ser impostas, como no caso da candidata mineira. E é aí que mora o perigo: essa prática se transforma numa verdadeira rachadinha institucionalizada. Ou seja, você é obrigado a repassar ao partido parte do dinheiro que conquistou trabalhando. Rachadinha, pela lei, é exatamente isso: ser obrigado a entregar parte do seu salário para um projeto político.

É absurdo que, para atuar na política, alguém precise se sujeitar a uma rachadinha. Isso vai na contramão da evolução da esfera pública

O problema maior é que os partidos passaram a se sentir donos não só dos mandatos, mas também do fruto do trabalho dos mandatos. No caso do PT, por exemplo, não só o mandatário é obrigado a pagar essa rachadinha, sob pena de não poder disputar eleições internas ou regulares, como também os comissionados precisam pagar. E já deixo claro aqui: eu nunca participei ou vou participar disso. É totalmente contra o que defendo.

Esse tipo de prática gera dívidas enormes e, se o militante quiser participar do partido, precisa resolvê-las. Enxergo nisso um problema democrático gritante, onde encaram uma rachadinha como algo aceitável. E, depois, a justiça não faz nada. Sai na imprensa, vira manchete, mas não se vê ministério, tribunal ou juiz indo pra cima disso.

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Além de tudo, essa prática fere o princípio básico da participação popular e partidária. É absurdo que, para atuar na política, alguém precise se sujeitar a uma rachadinha. Isso vai na contramão da evolução da esfera pública. Lá atrás, nos primórdios dos partidos, fazia sentido buscar formas de sobrevivência. Hoje, essas contribuições servem para alimentar práticas desviadas da prestação de contas legal. São recursos que, muitas vezes, sequer têm regulamentação clara sobre seu uso.

Essa realidade não é só de um partido. Ela se manifesta de várias formas: desconto em salário de assessor, de filiado, de dirigente partidário, ou até pelo uso do próprio diretório, que muitas vezes funciona como apartamento de dirigente. Se quero ter direito a um espaço partidário, preciso pagar uma taxa. O absurdo atinge a pessoa física e, no fim das contas, ataca a participação política. Ataca um princípio básico do direito democrático: a livre participação partidária, que não deveria depender de interesses econômicos ou da capacidade de pagar para participar da vida política. Isso não pode ser uma obrigação, até porque, como já dito, essa obrigação, na forma da lei, é crime.

É fundamental que esse debate seja feito. Hoje, está escondido dentro da política o fato de que se cobra para ser partidário no Brasil. Para onde vai esse dinheiro? Como ele é regulamentado? Como os dirigentes prestam contas desses valores obrigatórios pagos pelos filiados? É absurdo, é escandaloso, e ninguém, absolutamente ninguém, nem partidos de esquerda nem de direita, faz nada sobre isso. A discussão precisa sair das sombras e ocupar o centro do debate democrático. Afinal, democracia de verdade não combina com rachadinha institucionalizada.

Requião Filho é deputado estadual no estado do Paraná.

Conteúdo editado por: Jocelaine Santos

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