O Brasil precisa muito de uma reforma tributária para, de um lado, simplificar a caótica estrutura de impostos que temos, e de outro para, num segundo momento, reduzir a carga de tributos, a mais alta entre os países em desenvolvimento, via aumento de eficiência dos gastos públicos. Após anos de debates, vemos avançar no Congresso Nacional uma proposta que busca simplificar os impostos que incidem sobre o consumo, inspirada em modelos bem-sucedidos em outros países, cuja essência é um imposto sobre valor agregado (IVA).
Entre as muitas vantagens do IVA, podemos citar a não incidência de tributos ao longo das cadeias produtivas, os chamados impostos em cascata, que hoje oneram especialmente a indústria, que normalmente tem ciclos longos. Também a desoneração dos investimentos e das exportações, a redução do contencioso tributário, e a maior transparência na cobrança de impostos recomendam essa alternativa. E na medida em que a tributação passe a ser no destino, estimula-se a alocação de recursos por critérios econômicos, e não mais pela busca de benefícios tributários.
Enquanto não fizermos os ajustes e reformas que de fato aumentem o PIB potencial, vamos crescer muito menos do que as riquezas do país permitiriam.
O IVA permite ainda uma justa distribuição da carga tributária entre os diversos setores da economia. Segundo a Confederação Nacional da Indústria, o sistema atual penaliza sobremaneira a indústria, que representa 21% do PIB brasileiro, mas paga 32% dos tributos federais e 42% dos tributos estaduais e municipais. Segundo o IBGE, a indústria de transformação, que representa 12,9% do PIB brasileiro, responde por 29,5% da arrecadação, um dos principais motivos da sua perda de competitividade e do processo de desindustrialização pelo qual passa o país. O que a indústria precisa é de isonomia tributária e não de vantagens, privilégios ou regimes especiais, que normalmente só beneficiam poucos setores ou empresas.
É importante lembrar que o Brasil tem muito a ganhar com o movimento que está acontecendo de reconfiguração das cadeiras de suprimentos, em função das crises e conflitos globais recentes, desde que se melhore o ambiente de negócios para a indústria no país. O que passa necessariamente por uma reforma tributária bem-feita, que evite aumento de impostos e surpresas na regulamentação. Mas como bem disse o ex-ministro Maílson da Nóbrega, somos o país da meia-entrada e dos direitos adquiridos. Tão logo se iniciou a discussão da proposta de reforma (PEC 45), começaram as pressões por manter ou buscar privilégios, boa parte deles contemplados no texto aprovado na Câmara de Deputados. E outros buscando o seu espaço, agora na tramitação no Senado. Segundo Manoel Pires do FGV Ibre, o lobby permitiu alíquotas com desconto de 60% e até 100% que não se justificam do ponto de vista da teoria econômica e da experiência de outros países.
O estímulo ao consumo, sem criar condições para aumentar os investimentos, certamente não resolve a questão.
Como bem alerta Maílson, a PEC 45 previa alíquota única para bens e serviços, inspirada nas versões mais modernas de tributação de valor agregado, como a da Nova Zelândia, que difere da experiência europeia, que partiu de três a cinco alíquotas e não conseguiu depois evoluir para alíquota única. Erros na partida, afirma, tendem a ser perenizados, considerando que a experiência indicou que alíquotas múltiplas causam ineficiência, reduzem o potencial de crescimento e prejudicam os mais pobres. Além de criar nova fonte de contencioso.
Também o ex-presidente do Banco Central, Gustavo Loyola, alerta que a PEC aprovada na Câmara dos Deputados se afasta bastante do ideal de uma alíquota uniforme, para beneficiar determinados segmentos econômicos. Com isso, para manter o nível de arrecadação sobre o consumo, premissa da proposta, a maioria das empresas pagará mais por causa das vantagens conseguidas por poucos. Cálculos indicam que os benefícios já concedidos na Câmara podem levar a um aumento de 5 pontos percentuais na alíquota padrão do IVA, aproximando-a dos 30%, muito acima da média internacional, e muito acima daquela necessária ao resgate da competitividade dos agentes econômicos nacionais, considerando ainda o peso dos demais componentes do Custo Brasil, como deficiências da infraestrutura, custo da burocracia do poder público, baixa qualidade dos serviços prestados pelo Estado, falta de mão-de-obra qualificada e a penalização dos impostos não contemplados por essa reforma.
E por falar nos demais tributos, Armando Castelar Pinheiro, do FGV Ibre, alerta de forma oportuna que a política fiscal proposta pelo atual governo se baseia em forte aumento da carga tributária, com o fim de gerar superávits primários, mesmo com a expressiva expansão do gasto público já endereçada. A proposta aprovada na Câmara já abre as portas para elevar impostos como IPTU, IPVA e ITCMD, além de permitir a criação de novos tributos pelos estados. Ainda segundo Castelar, aumentos adicionais de carga tributária reduzirão ainda mais o nosso potencial de crescimento econômico, estimularão a informalidade, e afastarão investimentos. E menos crescimento leva a menos empregos e renda, o que por sua vez pressiona por mais gasto público. É um círculo vicioso que tem deixado legados difíceis em países vizinhos.
Enquanto não fizermos os ajustes e reformas que de fato aumentem o PIB brasileiro potencial, vamos crescer muito menos do que as riquezas do país permitiriam. Vamos continuar com altos e baixos, repetindo a história dos últimos anos, de voos de galinha. O estímulo ao consumo, sem criar condições para aumentar os investimentos, certamente não resolve a questão. Não deveríamos continuar perdendo oportunidades, para superar a armadilha da renda média, para caminharmos na direção do grupo de países desenvolvidos. É sabermos transformar o potencial que temos em PIB brasileiro potencial, que é a capacidade de o país crescer de forma consistente.
Carlos Rodolfo Schneider é empresário.
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