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Assumir a presidência da comissão responsável por propor regras para a inteligência artificial no Brasil tem sido um exercício de humildade diante da complexidade do tema. Cada discussão nos mostra que não existem respostas fáceis. Regular demais pode sufocar a inovação; regular de menos pode fragilizar a proteção de direitos e gerar injustiças. E o nosso grande desafio é encontrar o equilíbrio que assegure desenvolvimento tecnológico com justiça e competitividade nacional.
Para compreender melhor esse cenário, mergulhamos na legislação sobre inteligência artificial de vários países, e o mais revelador não é apenas o quê se discute, mas o para quê se discute. Em alguns países, o foco recai exclusivamente sobre barreiras e contenção de riscos; enquanto em outros, a discussão é sobre como abrir caminhos e criar oportunidades, mitigando riscos e com a garantia de manutenção dos direitos individuais e coletivos das pessoas.
Precisamos decidir agora se seremos protagonistas ou espectadores dessa revolução. Regular a inteligência artificial não é erguer barreiras, mas abrir caminhos, caminhos que só se consolidam quando formamos talentos, damos segurança jurídica e apostamos no futuro
E, nesse cenário, o Brasil precisa escolher seu ponto de equilíbrio. Mais do que uma tecnologia específica, a IA é transversal. Está presente em tudo e não há setor da economia ou da vida social que não seja impactado. A IA tem o potencial de redesenhar o século 21 em um ritmo extremamente veloz e com efeitos mais abrangentes do que a Revolução Industrial vivida no século 18. Vai sair na frente os países que conseguirem combinar talento humano, infraestrutura tecnológica e segurança jurídica.
No Brasil, o desafio da mão de obra é especialmente crítico. Temos baixa densidade de especialistas em áreas técnicas, com a fuga de cérebros e com a competição internacional por talentos, que se intensificou no pós-pandemia com o trabalho remoto globalizado.
É por isso que não dá para discutir inteligência artificial sem discutir gente. Não há algoritmo que funcione sem pessoas preparadas para projetar, treinar, operar e supervisionar esses sistemas. Se não criarmos e retivermos talentos, vamos continuar restritos ao papel de consumidores de tecnologias desenvolvidas lá fora. Nesse cenário, algumas experiências brasileiras podem ser iluminadoras.
Foi assim com o CESAR, fundado em 1996 no Recife, que se tornou o embrião do Porto Digital, um dos maiores parques tecnológicos da América Latina. O resultado é expressivo: mais de 400 empresas instaladas, 21 mil empregos gerados e um faturamento anual próximo de R$ 6,2 bilhões. Recentemente, o Paraná lançou o edital de fomento HubX Inteligência Artificial, que tem como objetivo selecionar propostas dos setores da indústria, comércio e serviços para promoção da transferência de conhecimento e desenvolvimento de soluções utilizando a IA.
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Esses exemplos provam que o Brasil pode construir ecossistemas tecnológicos competitivos quando há visão estratégica e articulação entre universidades, empresas e governo. O ponto central não é a disputa entre companhias brasileiras e estrangeiras, pois toda startup nacional utiliza também tecnologias criadas fora do país e se relaciona com empresas estrangeiras. A questão é decidir onde a inteligência artificial será produzida. Ou geramos emprego e riqueza, ou continuaremos apenas como coadjuvantes dessa revolução.
Para isso, o debate precisa encarar a realidade: formamos poucos engenheiros e o custo de contratar desenvolvedores é alto, o que compromete nossa competitividade. É urgente criar medidas concretas para que empresas sediadas no Brasil consigam empregar cientistas de dados, engenheiros de software, especialistas em cibersegurança e outros técnicos. E uma das soluções passa definitivamente pelo sistema tributário.
Haverá custos orçamentários, mas temos que fazer uma escolha. Optar por financiar uma máquina inchada ou financiar a ciência, a inovação e o desenvolvimento. Precisamos decidir agora se seremos protagonistas ou espectadores dessa revolução. Regular a inteligência artificial não é erguer barreiras, mas abrir caminhos, caminhos que só se consolidam quando formamos talentos, damos segurança jurídica e apostamos no futuro.
Luísa Canziani é deputada federal pelo PSD-PR e presidente da Comissão Especial sobre Inteligência Artificial (PL 2338/23) da Câmara dos Deputados.
Conteúdo editado por: Jocelaine Santos



