O que é uma nação? A pergunta é difícil por envolver um termo que não possui uma definição unânime, sendo estudado por diferentes especialistas, como filósofos e cientistas políticos, sociólogos e antropólogos, além, é óbvio, de historiadores. De qualquer forma, é possível adiantar algumas noções relacionadas para efeito compreensivo e, sobretudo, para o argumento a ser desenvolvido, por exemplo: Estado-Nação, nacionalismo, identidade nacional, comunidade de destino e soberania, entre outras possíveis.
Basicamente, um grupo de pessoas unidas por laços tidos como naturais, havidos desde tempos imemoriais, tais como a linguagem, os costumes e a religião, é considerado como pertencente à mesma nação. Obviamente, nem sempre os limites territoriais dos Estados modernos coincidem com a distribuição dessas coletividades. Mas, durante o século XIX, sobretudo entre os grandes Estados envolvidos na disputa imperialista do mundo, isso não chegou a constituir um problema, pois a ideia de pertencimento a uma comunidade política superior e universal às demais formas de lealdade se impôs às particularidades comunitárias, étnicas e religiosas. E o Estado-Nação iniciou a sua trajetória como unidade de referência do sistema-mundo em construção.
Neste Sete de Setembro, celebramos no Brasil a nossa comunidade de destino.
No Estado-Nação, a sociedade transita da base agrária para a base industrial e os mercados ampliam os horizontes da vida e as possibilidades de interação e comunicação em umnível inédito. Os comportamentos sociais são padronizados em âmbito econômico, político, administrativo e jurídico naquilo que podemos qualificar como sendo a cultura pública, cuja marca é a universalidade. A cultura privada, portanto, a esfera particular da vida, são remetidas às antigas diferenças de lealdade, sempre em posição subordinada, conforme reclama a reprodução social da ordem competitiva. Em termos políticos e jurídicos falamos de soberania e hierarquia das leis.
Para abreviar ainda mais a exposição, é importante ressaltar que o nacionalismo, essa ideologia que considera congruentes o grupo político e o nacional, é construção recente, tendo conhecido expansão durante a segunda revolução industrial, no século XIX. Sua existência deve-se, como tudo que é social, a uma “invenção”. Conforme a explicação oferecida por Benedict Anderson, em Comunidades Imaginadas (1983), nação e nacionalismo são artefatos culturais. Em uma época em que as comunidades tradicionais baseadas nas relações de consanguinidade e de vizinhança praticamente não mais existiam, o nacionalismo emprestou um sentido e uma causa à vida das pessoas, substituindo outras formas de domínio, como a crença religiosa, por exemplo.
Neste Sete de Setembro, celebramos no Brasil a nossa comunidade de destino. A independência política é ato demarcatório entre dois tempos, designando um depois diferente de um antes. Na data, a nação brasileira, em construção que segue ao longo do século XX, reclama governar a si própria. Na letra do Hino da Independência, de autoria do jornalista Evaristo Ferreira da Veiga e Barros, depois musicada por Dom Pedro I, a afirmação de um mito de origem: “longe vá, temor servil”, a pátria desde então estará livre ou morreremos por sua liberdade!
Ainda que os mitos não correspondam à realidade, cumprindo uma função para a interpretação do mundo e sua naturalização, eles estão presentes no imaginário social e conformam um patrimônio laico para a celebração ritualizada. A identidade nacional deve à sua força (dos mitos) a existência; e a cidadania, também. Não somente a formal, mas, sobretudo, a substantiva. É assim que os direitos avançam, sacrifícios são feitos e o Estado se fortalece. A vida vivida, entretanto, cobra o seu preço, sempre. Os fatos estão aí para demonstrar.
Rogério Baptistini é sociólogo e professor no Centro de Ciência Sociais e Aplicadas da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
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