Encontre matérias e conteúdos da Gazeta do Povo
Artigo

A transformação do Brasil passa pela escola pública de qualidade

(Foto: Kenny Eliason/Unsplash )

Ouça este conteúdo

O Brasil convive há décadas com uma desigualdade estrutural que não se dissolve por meio de ações pontuais ou programas emergenciais. Para que haja verdadeira transformação social, é preciso enfrentar a raiz do problema: a qualidade da educação básica oferecida pela escola pública.

A escola pública deveria ser o espaço onde todas as crianças, independentemente de origem, têm acesso ao mesmo patamar de conhecimento, cultura e desenvolvimento. No entanto, o que se vê é uma escola que frequentemente falha em cumprir seu papel formativo e emancipador.

Enquanto países desenvolvidos tratam a escola como espaço de excelência, o Brasil ainda tolera a baixa qualidade da educação pública, perpetuando ciclos de exclusão

Não há fórmula mágica para reduzir desigualdades sociais e econômicas. Experiências internacionais mostram que o caminho mais consistente e duradouro é garantir a todas as crianças uma educação de excelência. Foi assim na Finlândia, que apostou em um sistema público universal, gratuito e de qualidade, transformando-se numa das nações mais avançadas em bem-estar social, democracia e inovação. O mesmo ocorreu na Coreia do Sul e em Singapura, que superaram o atraso econômico ao investir na formação de professores, na centralidade da escola pública e na crença de que todo aluno pode aprender em alto nível.

O contraste com o Brasil é evidente, como comprovam diversas avaliações e relatórios educacionais. Aqui, a escola pública ainda reproduz desigualdades em vez de corrigi-las. O sistema educacional permanece fragmentado, marcado pela baixa valorização dos professores, infraestrutura precária e políticas descontínuas. Enquanto países desenvolvidos tratam a escola como espaço de excelência, o Brasil ainda tolera a baixa qualidade da educação pública, perpetuando ciclos de exclusão.

É preciso reconhecer avanços. A política de cotas no ensino superior foi uma conquista fundamental e necessária, ampliando o acesso às universidades e diversificando o perfil do estudante. No entanto, as cotas, embora essenciais, são insuficientes para garantir equidade educacional. Funcionam como um corretivo tardio de um sistema que falhou nas etapas iniciais. Se a escola pública continuar oferecendo formação desigual, estaremos sempre tentando remediar no fim o que não foi garantido no começo. As cotas aliviam o sintoma de um sistema doente, mas não curam a enfermidade.

A equidade exige enfrentar a desigualdade desde a primeira infância, assegurando que cada criança frequente uma escola pública equipada com professores bem formados, currículos atualizados, bibliotecas, laboratórios, atividades culturais e esportivas. A transformação social não virá apenas com universidades inclusivas, mas com escolas que, desde cedo, preparem cidadãos capazes de compreender e intervir positivamente no país. Isso significa tratar a escola pública como prioridade nacional – não como promessa eleitoral.

VEJA TAMBÉM:

Há, porém, um fator muitas vezes negligenciado: a participação efetiva das famílias. Nenhum sistema educacional robusto funciona sem o engajamento dos pais. Pesquisas mostram que o desempenho escolar é significativamente maior quando a família acompanha os estudos, participa de reuniões e compartilha responsabilidades. Nas escolas particulares, isso é naturalizado. Já na rede pública, a ausência de envolvimento compromete os resultados e mina a autoestima dos estudantes. É preciso inverter essa lógica: a participação das famílias deve ser sistemática, organizada e, até mesmo, obrigatória, como parte de um pacto nacional pela educação pública de qualidade.

Nesse sentido, uma proposta concreta seria a criação de um Dia Nacional da Escola Pública. Em vez de apenas mais uma data no calendário, seria um momento de mobilização em que pais, professores, alunos, políticos e comunidade se unissem em mutirões de manutenção e melhorias. Seria também um momento de discussão profunda sobre a função e o papel da escola como espaço de transformação cultural, social e comportamental. Rodas de conversa, palestras e workshops abordariam temas como: "O que esperamos da escola pública?", "Como a escola pode formar cidadãos críticos?" e "Qual é o papel de cada um na educação?".

Outro aspecto essencial é a conexão entre escola pública e esporte. As grandes potências esportivas não se apoiam apenas em clubes, mas em sistemas escolares que identificam e formam talentos desde cedo. Nos Estados Unidos, escolas e universidades sustentam a base da excelência olímpica. Na China, o investimento em esportes nas escolas públicas foi decisivo para sua ascensão olímpica. O Brasil praticamente abandonou o esporte escolar. Fortalecer esse papel é fundamental não apenas para descobrir atletas, mas para formar jovens mais disciplinados, saudáveis e engajados.

A negligência com a educação básica é também um entrave ao desenvolvimento econômico. A baixa proficiência em matemática e leitura, revelada por avaliações nacionais e internacionais, impacta diretamente a produtividade, a inovação e a capacidade do país de competir globalmente. O Brasil ainda convive com estudantes que chegam ao fim do ensino médio sem dominar habilidades elementares de interpretação e cálculo. Sem capital humano qualificado, não há ciência, tecnologia ou indústria que sustentem um projeto de nação.

A transformação social que desejamos não virá por decretos ou promessas. Ela virá quando a escola pública for tratada como prioridade nacional, com políticas de longo prazo, financiamento adequado e compromisso coletivo. A escola pública de qualidade não é apenas uma demanda educacional, é um projeto de país. A nação que relega sua escola pública a segundo plano condena-se a um ciclo perpétuo de exclusão.

Se queremos menos desigualdade, mais cidadania e uma cultura de respeito e inclusão, precisamos começar pela sala de aula. E essa sala precisa estar numa escola pública que funcione, que acolha, que ensine e que transforme – com professores valorizados, famílias presentes e cidadãos em formação.

Renato de Sá Teles é professor universitário na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e doutor em Matemática Aplicada.

Conteúdo editado por: Jocelaine Santos

Principais Manchetes

Receba nossas notícias NO CELULAR

WhatsappTelegram

WHATSAPP: As regras de privacidade dos grupos são definidas pelo WhatsApp. Ao entrar, seu número pode ser visto por outros integrantes do grupo.