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Outro dia, conversando com amigos, chegamos a uma conclusão preocupante: todos tinham filhos estudando ou trabalhando fora do Brasil. Parece ser uma ideia positiva, mas cheguei a outra conclusão mais preocupante ainda: o Brasil aparentemente não está dando futuro para ninguém. No Brasil do século XIX as elites criavam os filhos para servir à pátria. Um filho seria político, outro seria militar e um terceiro possivelmente seria padre. Talvez a liderança do país estivesse tentando servir de exemplo para educar e formar um futuro melhor para todos?
Houve uma época, diziam, na qual uma criança que se esforçasse nos estudos, tirasse boas notas, não fizesse pipi na cama, respeitasse pai e mãe e encontrasse um bom emprego público ou fosse profissional liberal, teria um brilhante futuro garantido pela frente. Hoje não parece ser assim. Atualmente temos os filhos das elites, tanto de “esquerda” como de “direita”, pegando o caminho do aeroporto não para estudos de aperfeiçoamento profissional, mas para tentar viver e prosperar fora do país.
Em nossa vizinha Venezuela, com uma população de 29 milhões, mais de 7,7 milhões de pessoas já deixaram o país devido a baixos salários, inflação galopante, falta de serviços públicos e repressão política, no que já é uma das maiores crises de emigração forçada na atualidade. Espero que não seja esse o nosso caminho
Oficialmente, dados levantados pelo Ministério das Relações Exteriores em 2022 apontam que cerca de 4,5 milhões de brasileiros vivem no exterior, sendo cerca de 2 milhões nos EUA. Porém, segundo o Instituto Nacional de Saúde (NIH) dos EUA, a principal agência federal para conduzir e apoiar pesquisas médicas, 71% dos imigrantes brasileiros nos EUA seriam ilegais. Independente do número exato, a pesquisa “Branding Brasil” de 2022 mostrou que, entre os jovens de 16 a 20 anos, 56% não acreditam que o Brasil é o lugar ideal para viver e 55% responderam que morariam em outro país se pudessem. Por que acontece isso?
Segundo dados de 2022, a remuneração média de bacharéis recém-formados no Brasil é de R$ 3.800. Ao mesmo tempo, um empregado em qualquer cadeia de fast food na Califórnia ganha US$ 20 por hora, ou cerca de R$ 122. Se este empregado trabalhar 40 horas por semana ganhará quase R$ 20.000 mensais, mesmo sem ter nenhuma formação profissional e ainda com oportunidades de promoção mediante desempenho. É claro que o custo de vida nos EUA é mais caro do que no Brasil, mas isso não parece impedir muitos de saírem do país.
A decisão de mudar de país é complexa. Em recente viagem a Portugal encontramos um número expressivo de brasileiros que abandonaram estudos universitários ou mesmo empregos fixos no Brasil atraídos por melhores condições de moradia, meio ambiente, saúde, escolaridade e emprego em Portugal. Apesar de salários mais baixos do que nos EUA, Portugal tem menor custo de vida e a vantagem da língua para imigrantes brasileiros. O número de imigrantes brasileiros em Portugal aumentou 33,6% de 2022 para 2023. Os brasileiros seguem como a maior comunidade estrangeira residente e com autorização de residência regularizada: há cerca de 600.000 brasileiros vivendo em Portugal.
A chamada “fuga de cérebros” ocorre quando profissionais altamente qualificados deixam seu país de origem e mudam para outro país. Isso geralmente acontece por vários motivos, incluindo os fatores de atração (melhores oportunidades de emprego, estabilidade política e liberdade), fatores de repulsão (salários baixos, instabilidade política, depressão econômica, violência, riscos à saúde e falta de oportunidades) e fatores individuais (influências familiares, preferências pessoais e ambições de carreira).
Muitos reclamam que o “dólar está muito alto”. Na verdade, é o real que despencou. Segundo dados do Banco Central e da Agência Trademap, o real foi a moeda com pior desempenho em relação ao dólar americano entre os países do G20 em 2024, com desvalorização acumulada de 21,44%. Segundo Mary Anastasia O’Grady, colunista do Wall Street Journal, “a fuga de investidores continuará enquanto Lula for presidente: ele é um populista de esquerda cuja principal estratégia para vencer eleições competitivas é baseada em gastos elevados. Agora o orçamento está esgotado”, diz O’Grady.
Só que, no Brasil de hoje, o problema não é apenas a fuga de cérebros ou uma moeda fraca. A debandada parece ser geral, incluindo casais jovens com filhos pequenos e estudantes desesperançados com a violência, a má qualidade do ensino universitário e a falta de perspectiva profissional. Passei décadas de minha vida estudando e trabalhando com teorias e práticas de desenvolvimento. Há muitas explicações, autores e teorias, mas a realidade é uma só: quando políticos concentram poder e recursos nas mãos de pequenas elites ou grupos dominantes, muitas vezes à custa da população em geral, o país sofre. Isso explica o subdesenvolvimento da África, de boa parte da Ásia, da América Latina e do Brasil.
Por favor, esqueçam essa baboseira que alguns países ficaram ricos fazendo outros países ficarem pobres. É claro que os países sempre competiram e até fazem guerras entre si, mas nenhum país é um todo homogêneo. Cada país tem ricos e pobres, grupos dominantes de “direita” ou de “esquerda”, ganhadores e perdedores. Não é novidade que a riqueza de vários países subdesenvolvidos fica muito bem guardada em contas secretas particulares nos paraísos fiscais.
O principal argumento de autores como Daron Acemoglu e James Robinson, em seu livro Por que Países Falham é o de que “instituições econômicas e políticas inclusivas são cruciais para a prosperidade econômica”. Essas instituições devem promover talentos, empreendedorismo, criatividade e incentivos para que as pessoas poupem, invistam e inovem. Não há mistério: todos os países que se desenvolveram democraticamente fizeram reformas sérias para promover isso.
Mas essa clareza parece faltar no Brasil de hoje, onde não há muitos bons exemplos vindos de cima, a começar pelos nossos poderes Executivo, Legislativo, Judiciário e vários veículos tendenciosos de comunicação. Não quero generalizar nem fazer panfletagem barata, mas nossa maior esperança reside agora em alguns políticos, juízes e profissionais corretos – uma minoria – além, é claro, da grande maioria de brasileiros que quer um país melhor.
Nossa prática de desenvolvimento parece estar sequestrada e miseravelmente dividida por rixas partidárias entre caciques políticos, “direita X esquerda”, clientelismos, currais eleitorais, balcões de negócios envolvendo emendas parlamentares, e até por discussões anacrônicas como comunismo X capitalismo. A quem realmente interessa essa situação? Em nossa vizinha Venezuela, com uma população de 29 milhões, mais de 7,7 milhões de pessoas já deixaram o país devido a baixos salários, inflação galopante, falta de serviços públicos e repressão política, no que já é uma das maiores crises de emigração forçada na atualidade. Espero que não seja esse o nosso caminho. No Brasil, por enquanto, para aqueles que podem e conseguem, o aeroporto parece estar sendo a melhor saída.
Jonas Rabinovitch é arquiteto urbanista com 30 anos de experiência como Conselheiro Sênior em inovação, gestão pública e desenvolvimento urbano da ONU em Nova York.
Conteúdo editado por: Jocelaine Santos