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Em artigos publicados na mídia leiga ao longo de 2024, alertei para o risco de atraso na incorporação da vacina contra o Vírus Sincicial Respiratório (VSR) no Sistema Único de Saúde. O alerta se confirmou: o governo anunciou o imunizante de forma tardia, limitada e excludente.
A vacina contra VSR desenvolvida pela GlaxoSmithKline (GSK), indicada para adultos e idosos, foi aprovada pela Anvisa em dezembro de 2023. Ainda assim, o Ministério da Saúde só agiu mais de um ano depois. E, quando finalmente tomou uma decisão, optou por uma incorporação incompleta: vacinar apenas gestantes, deixando de fora justamente o grupo com maior risco de hospitalização e morte – os idosos.
Não há explicação técnica convincente para a opção exclusiva pela vacina contra VSR da Pfizer. Uma hipótese é o fato de o imunizante da GSK não ser indicado para gestantes. Mas isso não justifica excluir os idosos, que formam um público muito maior e mais vulnerável. Além disso, a concorrência entre duas gigantes da Big Pharma poderia reduzir preços, ampliar o acesso e fortalecer o poder de negociação do SUS.
Surge, assim, uma pergunta inevitável: a exclusão dos idosos teria servido, na prática, para restringir a política de vacinação a apenas uma indústria farmacêutica? Quando a política pública elimina a competição, rejeita produtos aprovados e concentra a oferta em um único fornecedor, a dúvida é não apenas legítima – é necessária.
A vacina contra o VSR poderia ter sido exemplo de planejamento, equidade e eficiência. Tornou-se, ao contrário, símbolo de atraso, omissão e escolhas que não colocam a vida dos mais vulneráveis em primeiro lugar. Vacinação não é propaganda: é proteção
O VSR provoca bronquiolite, insuficiência respiratória e altas taxas de internação entre idosos fragilizados. Ignorar esse grupo viola diretamente o Estatuto do Idoso, que garante prioridade absoluta nas políticas de saúde. Ao descumpri-lo, o governo institucionaliza desigualdades.
O contraste com a incorporação das vacinas pediátricas contra a Covid-19 é evidente. Para as crianças de 5 a 11 anos, a Anvisa aprovou a vacina em 16 de dezembro de 2021 e, menos de um mês depois, em 14 de janeiro de 2022, o Brasil já iniciava a aplicação. A mesma mobilização ocorreu posteriormente no grupo de 6 meses a 5 anos incompletos. Houve, portanto, clara decisão política de atuar com rapidez.
No caso da vacina contra VSR , ao contrário, o atraso foi a regra. A vacina demorou mais de 18 meses para ser disponibilizada para gestantes e, mesmo assim, o governo decidiu excluir totalmente os idosos da política de imunização. Ou seja: primeiro houve atraso; depois, dentro desse atraso, houve uma escolha excludente. Não se tratou de priorizar um grupo vulnerável, mas de abandonar deliberadamente outro.
Outro ponto crítico é o modelo adotado: uma Parceria para o Desenvolvimento Produtivo (PDP). Em tese, PDPs fortalecem a produção nacional; na prática, podem atrasar o acesso, criar reservas de mercado e ampliar a margem para escolhas políticas pouco transparentes – como a exclusão da GSK, que detém a primeira vacina contra VSR aprovada para idosos no mundo.
Enquanto isso, idosos com recursos pagam R$ 1.500 pela vacina na rede privada e ainda podem deduzir o valor no Imposto de Renda. Já o idoso pobre, dependente do SUS, permanece sem proteção. Uma política pública que amplia desigualdades não pode ser chamada de avanço.
A vacina contra o VSR poderia ter sido exemplo de planejamento, equidade e eficiência. Tornou-se, ao contrário, símbolo de atraso, omissão e escolhas que não colocam a vida dos mais vulneráveis em primeiro lugar. Vacinação não é propaganda: é proteção. E proteção não pode excluir aqueles que mais precisam do Estado.
Marcelo Queiroga é médico cardiologista e ex-ministro da Saúde.
Conteúdo editado por: Jocelaine Santos



