Em 2024, o Ministério da Saúde resolveu incluir as vacinas Covid-19 no calendário do Programa Nacional de Imunizações (PNI), contudo, a obrigatoriedade de aplicar essa vacina em crianças com idade entre 6 meses e 5 anos incompletos tem suscitado controvérsias, notadamente em face do menor adoecimento dos mais jovens, sobretudo adolescentes e crianças.
Não há dúvida que a vacinação em massa foi a principal responsável pela contenção do caráter pandêmico da Covid-19, responsável por milhões de óbitos. O Brasil, apesar das narrativas em contrário, realizou uma das mais abrangentes campanhas de vacinação do mundo, sendo incluídas todas as faixas etárias, de forma não obrigatória, desde que houvesse o aval da Anvisa.
Durante a pandemia tudo foi politizado, inclusive a vacinação. Esse ambiente, lamentavelmente, ainda persiste.
No decorrer da campanha de vacinação surgiram questionamentos sobre a segurança da vacina, em particular o seu benefício em adolescentes e crianças. O tema foi, exaustivamente, discutido nas instâncias técnicas e com a sociedade. Em setembro de 2022, após a aprovação da Anvisa, foram disponibilizadas no SUS para as crianças entre 6 meses e 5 anos incompletos que apresentassem comorbidades. A Portaria SCTIE/MS No 181/2022 incorporou a vacina Comirnaty (Pfizer/BioNTech) no SUS. A medida adotada pelo Ministério da Saúde não é acompanhada por outros países, principalmente nos países que, como o Brasil, têm sistemas de saúde de acesso universal, a exemplos do National Health Service (NHS) da Inglaterra. A própria Organização Mundial da Saúde (OMS) restringiu o escopo da vacinação contra Covid-19 aos grupos de maior risco.
Segundo o ministério, entre janeiro e novembro de 2023, 5.310 crianças foram diagnosticadas com Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) por Covid-19. Dessas, 135 morreram, principalmente na faixa etária abaixo de 1 ano. Crianças infectadas pelo SARS-CoV-2, vírus causador da Covid, podem desenvolver ainda uma condição conhecida como Síndrome Inflamatória Multissistêmica Pediátrica (SIM-P), que pode ser grave e levar à morte. No Brasil, desde o início da pandemia, em 2020, foram notificados 2.103 casos com 142 óbitos.
A política errática, sem critério, da atual gestão em relação a vacinação não se restringe a Covid-19.
Tomando como base as conclusões do relatório de recomendações da Conitec os dados da eficácia da vacina Comirnaty “devem ser considerados com cautela, devido à grande incerteza em seus valores”. Embora a magnitude o efeito eficácia tenha sido considerada alta “a confiabilidade nas evidências, de acordo com a ferramenta GRADE, foi muito baixa”. Outro ponto que merece reflexão diz respeito ao impacto orçamentário da incorporação no PNI da vacina para crianças nessa faixa etária. Segundo dados da Conitec, considerando-se que as crianças receberiam apenas o esquema vacinal primário (3 doses) sem necessidade de reforço, seria de R$ 1 bilhão por ano.
Durante a pandemia tudo foi politizado, inclusive a vacinação. Esse ambiente, lamentavelmente, ainda persiste. A atual gestão do Ministério da Saúde, corretamente, adotou a vacinação como prioridade, mas comete equívoco ao insistir na politização do assunto. Não há base técnica para incluir como prioridade a vacinação de crianças (6 meses a 5 anos incompletos) contra Covid-19; essas vacinas deveriam ser restritas somente a crianças com comorbidade. Ou seja, foi uma decisão com baixa discricionariedade técnica, tomada por motivação de outra natureza. Essa medida é, ainda, mais desarrazoada diante do subfinanciamento do SUS. Em 2023, o Ministério da Saúde foi favorável ao projeto de lei para remanejar R$ 20 bilhões no orçamento da Saúde para cumprir o piso constitucional. Ou seja, a priorização nas ações de saúde pública, definitivamente, não é objeto da atual gestão.
Seguramente, aplicar-se os cerca de R$ 1 bilhão em outros programas de saúde pública destinados às crianças poderiam trazer benefícios maiores, de que a redução incerta de SRAG ou SIM-P decorrentes da Covid-19. Assim, deve entender o NHS inglês, após avaliação do National Institute for Health and Care Excellence (NICE). Só a título de ilustração, em 2022, foram despendidos cerca de R$ 4 bilhões para o tratamento especializado do câncer no Brasil.
A política errática, sem critério, da atual gestão em relação a vacinação não se restringe a Covid-19. No início do ano, por exemplo, o Ministério da Saúde reverteu a recomendação da Conitec para incorporar no SUS a vacina PVC 13 (vacina conjugada antipeumocócica), apontada como vantajosa pelos técnicos. Além disso, diante da maior epidemia de dengue dos últimos anos (mais de 1 mil óbitos), procrastinou o quanto pode a incorporação da vacina no SUS, que só estarão disponíveis a partir de fevereiro e em quantidade insuficiente.
Em síntese, a decisão do Ministério da Saúde de incluir no PNI vacinas contra Covid-19 para crianças, foi tomada com discricionariedade técnica de baixa qualidade e poderá acarretar elevado impacto no orçamento do Ministério da Saúde, dentro de uma ambiência de incerteza de resultados. A alocação desses recursos em áreas prioritárias, seguramente, resultaria em maiores benefícios das ações de saúde pública. Seria de bom alvitre que a gestão tomasse como base o antigo jargão: “Política de saúde, não política na Saúde”.
Marcelo Queiroga é médico cardiologista e ex-ministro da Saúde.
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