A virtude é a força e o complemento que dá plenitude e aperfeiçoa as potências a fim de que estas possam mover-se e atuar de modo perfeito na educação humana. Falarei agora especificamente sobre a prudência e a justiça, deixando para outro momento a complementação com o estudo da fortaleza e temperança.
Tomás de Aquino na Suma Teológica nos lembra que além das quatro virtudes cardeais que devem ser desenvolvidas durante nossa educação, existem outras três que não são de aquisição natural, mas sim sobrenatural. São elas: a fé, a esperança e a caridade. O mestre acrescenta que “a caridade entra na definição de toda virtude, não porque seja essencialmente toda a virtude, mas porque dela dependem de certo modo as demais”.
Essas três virtudes somente podem ser recebidas diretamente do Criador e, para isto, as virtudes naturais já devem ter sido desenvolvidas, sem o que as atividades do espírito, as quais o ser humano é capaz, não poderão ser recebidas e exercidas. Pretendo tratar sobre essas três virtudes em outro momento; vou resumir brevemente o que são as virtudes cardeais e como podemos desenvolvê-las na família – no meu ponto de vista é impossível fazê-lo fora dela.
As escolas públicas e privadas não têm este objetivo, pois apenas ensinam, e, mesmo que tivessem a finalidade de educar, não teriam a capacidade de tratar individualmente os jovens estudantes, os quais demandariam mestres que lhes amassem e dedicassem sua vida na formação virtuosa de seus alunos. Também, infelizmente, não existem educadores com a consciência filosófica, as virtudes desenvolvidas e a prática pedagógica para tal objetivo nestes estabelecimentos de ensino.
A docilidade é uma aptidão natural ao ser humano e é própria da criança, e acompanha toda a pessoa prudente e podemos dizer que não há prudência perfeita sem a docilidade
Iniciando pela prudência, em grego frónesis, pois, segundo Santo Tomás “...a prudência é a ‘mãe’ e o fundamento das virtudes cardeais restantes: justiça, fortaleza e temperança”, e que, consequentemente, “só aquele que é prudente pode ser, por acréscimo, justo, forte e temperado; e que se o homem é de fato bom, é-lo graças a sua prudência”.
É a prudência que domina toda a vida moral, já que toda a virtude é, por necessidade, prudente. É ela que aperfeiçoa a retidão impulsiva e instintiva do agir e leva a pessoa à sua perfectibilidade na ação. Como esta ação deve levar sempre ao bem e este será reconhecido pela verdade, assim sendo, se faz necessário o inteligir para se verificar a realidade do agir e isto se atinge apenas no homem prudente.
Esse conhecimento da realidade tal como é verdadeiramente, sem as influências de narrativas ou de propagandas, se obtém com o estudo e conhecimento tanto dos primeiros princípios universais da razão quanto das realidades particulares sobre as quais fundamenta a ação que se vai realizar. Isso exige algo chamado de experiência e de educação.
Os princípios universais da razão prática são revelados ao homem mediante a sentença do hábito natural da sindéresis, que, assistida pelo hábito dos primeiros princípios, “impulsiona ao bem e censura o mal, enquanto pelos primeiros princípios procedemos a investigação, e, por isso, julgamos o averiguado”.
A sindéresis aporta a todo ser humano um conhecimento universalíssimo que permite a percepção do bem e propõe o conteúdo objetivo de toda ação humana. No plano natural, o homem, graças à sindéresis, descobre que é preciso fazer o bem e evitar o mal, que é preciso viver virtuosa e racionalmente, princípio geralíssimo que contém todos os fins comuns de toda a operação.
É essa prudência que podemos chamar de “consciência”, a qual funciona na razão prática, em situações concretas vividas por cada um de nós, levando ao entendimento da situação na qual devemos atuar. A prudência tem como função primordial a aplicação da razão prática para resolver problemas concretos, precisa para isto, sendo uma função cognitiva: da memória, da razão, da inteligência ou entendimento, da docilidade ou mansidão e da solertia ou sagacidade ou talento. “Enquanto imperante ou preceptiva, os elementos da prudência são: a previsão ou providência, a circunspecção e a precaução”.
Para tanto, se faz necessário tempo e experiência, pois para se ter uma reflexão prudente é necessário guardar na memória tudo o que é vivido para poder raciocinar sobre os casos concretos comparando com os já vividos. Mas a experiência não é uma teoria da “tentativa e erro”, mas é um agregar de quantidade e qualidade de habilidades que exige ser silenciosa, humilde e atenta de expectativa ante a realidade.
Assim, diz Santo Tomás, “no conhecimento é preciso levar em conta três momentos. O primeiro é o conhecimento em si mesmo. Se se referir a coisas passadas, tem lugar a memória; se a coisas presentes, sejam contingentes ou sejam necessárias, chama-se a inteligência. O segundo dos momentos do conhecimento é a aquisição mesma do conhecimento. Este é obtido ou por ensinamento, e nos é dado pela docilidade, ou por invenção própria, o que dá lugar à eustochia, que é “saber conjurar bem”. Parte dela é a solertia que é saber encontrar o que convém. O terceiro momento do conhecimento é o uso do conhecimento enquanto algumas coisas conhecidas nos levam a conhecer e julgar outras, e essa tarefa corresponde à razão”.
Vemos a grande necessidade de uma memória bem treinada com grande fidelidade à realidade e com um aperfeiçoamento metódico provocado pela educação. Não é uma “mnemotécnica”, mas o desenvolvimento que a faculdade humana tem de guardar e conservar as coisas e acontecimentos reais, da forma como sucederam na realidade. Nesse aspecto, Palet dá um alerta importante aos pais para se evitar que haja alguma falsidade na verdade das coisas reais que forem memorizadas, pois podem ocorrer vários interesses às apreciações subjetivas, às vacilações mais levianas, às falsas interpretações dos sentimentos, os quais podem deformar e mascarar a verdade dos fatos. Uma memória de fatos inverídicos certamente levará às ações imprudentes.
Por enquanto, basta que recordemos os quatro procedimentos que Santo Tomás propõe para ajudar o homem a progredir na memória: primeiro, a associação, “buscando algumas semelhanças com as coisas que tentamos recordar”. Em segundo lugar, “é preciso organizar devidamente as coisas que se pretende conservar na memória”. O terceiro procedimento consiste em “colocar interesse e amor naquilo que queremos recordar”, e, em quarto e último lugar, “é conveniente pensar com frequência naquilo que queremos recordar”.
A docilidade é uma aptidão natural ao ser humano e é própria da criança, e acompanha toda a pessoa prudente e podemos dizer que não há prudência perfeita sem a docilidade. Mesmo sendo natural, exige muito do esforço humano, pois solicita à pessoa ter uma atenção solícita e respeitosa aos mestres e aos superiores. E o estudante só prestará a atenção aos ensinamentos recebidos e aos conselhos dos progenitores e dos superiores, se estes souberem ganhar a confiança e o amor respeitoso de seus filhos mediante a solicitude e benevolência confirmadas por sua atuação e com esta atuação busquem a atração do bem.
Sem a busca do bem tudo o que for construído se desmanchará facilmente quando este bem for identificado em outro lugar, pois a inteligência do aluno sempre estará atenta e, se descobrir que seus mestres o estão enganando de alguma maneira, perder-se -á a confiança e a docilidade natural para com estes.
A sagacidade é outro requisito ou faculdade para se buscar a prudência perfeita. A solertia é uma faculdade pela qual o homem, habituado e aperfeiçoado pelo ensinamento dos superiores, “mediante aquisição de uma reta opinião por própria iniciativa”, pode confrontar objetivamente o inesperado e, “vencendo toda tentação de injustiça, covardia ou intemperança, decidir então pelo bem”.
No cotidiano da família, as diversas circunstâncias e situações exigem, sem muita teoria, os elementos da prudência que já comentei que são: a previsão, a circunspecção e a precaução. Esses hábitos implicam a relação entre algo distante para o qual de dirige ou se ordena o presente. Nas coisas mais simples, as crianças podem começar a entender o que vem a ser a ordenação para um fim. Essa capacidade de dirigir a família para uma atividade recreativa ou não, orientando as ações de todos para aquele fim é uma boa forma de mostrar a previsão às crianças e estas poderão comprovar que há uma realidade que pode ser palpável e executável quando bem planejada. A precaução com relação aos problemas que poderão surgir e a verificação dos eventos que poderão estar associados ajudarão a dar um entendimento total do evento planejado e mostrar as boas consequências de um planejamento prudente.
Dessa maneira, podemos ver que sendo a matéria da prudência o agir humano, a família é o lugar originário da aquisição desta virtude cardeal, pois é ali que ocorre a busca e contemplação da verdade, a ordenação do apetite e da vontade em buscar o bem, a comunicação e participação comunitária da verdade e do bem, o exemplo virtuoso dos pais, o amor de caridade que despreza a recompensa e se compraz da união entre os amados. A isto eu chamo de lar.
Outro habitus voltado para a melhoria da natureza humana, que é princípio de atos bons, é a justiça, em grego dikaiosine. Esta é “a vontade constante e perpétua de dar a cada um o seu direito”, mas precisamos entender bem o que isto significa. Mercedes Palet nos diz: “Se não se supõe a existência anterior de um algo que seja devido a alguém, não é possível dar dever de justiça a ninguém”. E isso é de tal modo assim, que se pode dizer que a razão de dever não é tão clara nas outras virtudes quanto na justiça.
Dar a cada um o que lhe é devido pressupõe aceitar a existência do outro, a existência da alteridade, há um ser distinto de mim que teve uma injustiça sofrida e agora necessita de um reparo, mas na medida da injustiça sofrida e não mais, nem menos. Poderíamos sugerir uma série de atividades práticas de desenvolvimento desta virtude na família, seja entre pais e filhos e entre irmãos e amigos. Dar a cada um o que é devido é um excelente exercício nas brincadeiras infantis, passeios, trabalhos domésticos e atividades externas.
A vida em sociedade da qual o ser humano está vinculado naturalmente pede que haja relações interpessoais e estas devem ter um caráter pessoal e de obrigação moral. A justiça dessa forma está vinculada a atos exteriores, pois visam o outro e estes atos devem ser revestidos de justiça para que as relações sejam humanas e boas. Sendo boas devem ser de realização fácil e agradável, neste caso quem tem a virtude da justiça faz o que deve ao outro com prontidão e agrado. Acredito que muitos de nós temos dificuldade de realizar atos justos com alegria, talvez fruto deste materialismo atual no qual estamos imersos e já fomos influenciados na nossa educação recebida.
Entrando mais profundamente em Santo Tomás, este nos adverte que há a justiça comutativa, relacionada entre duas pessoas, e há a justiça distributiva, a qual existe para a distribuição proporcional dos bens comuns. Palet fala que “o lugar próprio da justiça é a vida em comum”, uma vez que por natureza as pessoas contraem obrigações nas suas relações mútuas e estas devem propiciar satisfações recíprocas, enfim, o equilíbrio é exigido nesta relação. Vemos que não é só não fazer o mal e prejudicar o outro, mas buscar realizar o bem que convém ao outro. Mais uma vez enfatizo como as brincadeiras infantis podem favorecer o desenvolvimento deste hábito no dia a dia doméstico.
Por isso, a primeira exigência da justiça é a humildade de coração para aceitar com gratidão a filiação, tanto a divina como a humana, e toda a dependência do homem particular diante da comunidade, o que “não supõe minimamente nada de vergonhoso nem de lesivo à dignidade da pessoa”. Ser justo não é vergonhoso, mas a justiça sem misericórdia é crueldade, nos diz Palet.
Temos que entender que desde o nascimento o ser humano torna-se devedor de uma dívida impagável, ou seja, se adquire um débito que exclui toda a possibilidade de satisfação e esta noção exige a virtude da qual estamos falando, pois devemos dar ao outro o que lhe é devido, mesmo sabendo que nunca conseguirá restabelecer a igualdade requerida. É o exemplo concreto de nossa dívida com Deus, com nossos pais e benfeitores.
Vemos que a educação da observância corresponde originalmente à família porque, mediante seu exemplo moral, os pais estimulam a imaginação e a inteligência moral da criança, e, com isso, lhe mostram concretamente que o segredo no qual descansa a excelência de uma pessoa, pela qual se torna merecedora de honra e respeito, é antes de tudo a sua bondade ativa.
Realmente, fica muito claro que a família é o local apropriado para a educação, todavia não podemos esquecer que “as interpretações falsas ou defeituosas da realidade do ser conduzem por necessidade interna o estabelecimento de fins falsos e a forja de ideais inautênticos”. Dessa maneira, sem mestres que tenham as virtudes que irão desenvolver e que tenham a verdadeira consciência da realidade, compreendendo muito corretamente o que é o ser das coisas, nada ocorrerá em termos de educação.
Claudio Titericz, coronel da reserva do Exército Brasileiro, é bacharel, mestre e doutor em Ciências Militares, bacharel em Teologia, estudante de Filosofia da Educação, ex-diretor de Programas da Secretaria-Executiva do Ministério da Educação, um dos fundadores do Instituto de Biopolítica Zenith e autor do livro “O Problema da Educação Brasileira”.
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