Estados emocionais ainda não são mercadoria. Talvez no futuro a ciência possa garantir bem-estar emocional com técnicas de emulação cerebral. Quem sabe, até botando o dedo na tomada e levando choque modulado para fazer sorrir. Por enquanto, a sisudez, o cenho franzido, a avareza de sorriso, desaparecem apenas com remédios naturais: boa companhia, lembranças agradáveis, música, flores, dias de sol. Porém a eficácia desses bálsamos não é segura e a alegria pode permanecer ausente. Alegrias etílicas, canabiólicas, são fugas fugazes tão amargas quanto a pior das tristezas.
Contudo, a vida cobra ação, presença, movimento e algumas pessoas, ainda que passem momentos opacos, enevoados, seguem como suporte de muitas outras que se deixam abater pelas emoções. Na linha do Teorema de Pareto, 20% das pessoas mantêm o rumo no meio da tempestade quando 80% já largaram o leme. Todo mundo já se sentiu, em algum momento, suporte de muitos outros e tomou a decisão de não esmorecer porque alguém tinha de tocar o barco. Curiosamente, a saliência, o ponto que aparece e chama a atenção não é o de apoio. Do edifício, vê-se a fachada, não as colunas. Tem-se atenção, foco, nos relacionamentos de alta intensidade. Amores, ódios, amizades, inimizades, paixões de aproximação e afastamento causam fortes movimentos emocionais e estão sempre presentes quando se historia. Contudo a vida não se resume a isso; contatam-se milhares de pessoas e algumas ficam na memória ainda que ausentes do cotidiano. Aquela pessoa agradabilíssima da prosa de 10 minutos no ônibus, na sala de espera do dentista; o olhar gentil de alguém que cedeu passagem no trânsito. Essas sustentam as emoções-bússola que nunca apontam para o sul.
A multidão se movimenta em todas as direções. O movimento dos carros é regrado; das pessoas é livre para a esquerda, direita, em frente, transversalmente. Parar, olhar, tentar decifrar pensamentos, emoções. Cinco minutos exposto ao frio delicioso da Rua XV e nenhum início de resposta que vá além da mera suposição dessa ou daquela característica emocional a partir da expressão facial, dos movimentos, da composição de texturas e cores das roupas. Cada pessoa é mistério num livro aberto: as palavras estão todas ali, mas são indecifráveis. Cada indivíduo não se decifra e não se devora. Persiste teimosamente adiante, esquivando-se das indagações insuportáveis sobre si e outrem. A mulher que parece ir em direção ao trabalho tem a face alegre. Quando chegar em casa, noite adiantada, fará a janta, arrumará a casa, verá as atividades escolares dos filhos. Ela não se salienta, mas na sua história é a pessoas mais poderosa na multidão. Mantém a alegria porque decidiu ter luz própria. Decisão capital, apta a fazer a pessoa estar na quinta parte da humanidade que não se perde no nevoeiro e, quando se perde, finge estar plenamente orientada para não assustar quem a segue.
Donde provém o momento decisivo? Respostas metafísicas são interessantes quando aplicadas a casos individuais; insuficientes, inexatas ao serem expostas ao conjunto da história. Com qualquer deus, semideus, adeus, somos os mesmos quando vistos na sucessão de gerações. A alegria não depende das respostas. Está presente quando se deseja a sua presença. Porém é personalíssima; não está à venda para ser comprada ou depositada nos outros para ser transferida. Quem a quer constrói em si.
Lagartear ao sol enche de alegria e preguiça a manhã curitibana, mas é hora de começar as obrigações do dia para depois filosofar.
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