Em 1937 a Rua do Herval foi inundada pelo Rio Juvevê. O casario de madeira construído sobre pilotis de tijolos ficou a salvo por milímetros. Essa, eu não vi. Em 1983 vi o Rio Iguaçu ocupando toda a baixada que fica logo depois da estação da Copel até a Estrada do Leite (Avenida Rui Barbosa). A várzea era desabitada, a enchente não foi desastrosa e as vacas ficaram juntinhas nas partes mais altas. A jusante, bem longe, União da Vitória submergiu e foi triste. O frio de julho e a lama nas casas causaram muito sofrimento. Segunda-feira passada, ao final da tarde, presenciei o Parque Barigui se transformar no Lago Barigui; a água barrenta se estendia no horizonte. Aquilo eu nunca vi. A turbulência, os galhos, o lixo, assustavam; fiquei imaginando a sujeira quando a água baixasse. A chuva fortíssima durou quase dois dias e as águas lamacentas demoraram a voltar à calha do rio. Depois da tempestade, diz a sabedoria popular, vem a bonança. Figura de linguagem. Na vida real, depois da tempestade vem o desespero de quem perdeu pessoas, bens e o sossego.
A natureza está louca, mais agressiva do que no passado? As mudanças catastróficas são tema de filmes que anunciam o apocalipse para 2012, 2019, 2025. Ora o fim do mundo virá com terremotos e lava, ora com calor global, derretimento dos polos, ora com frio sideral. O bombardeio de informações em tom tenebroso, funéreo, causa a sensação de marcha sem freios para o abismo. Individualmente vivemos com o propósito de não morrer e, ao mesmo tempo, temos a certeza da finitude. De certa forma, projetamos essa dualidade angustiante para o planeta que dá os meios para a existência.
Olhar a enchente e exclamar que isso é o fim dos tempos é parte da projeção da nossa condição particular para o todo. É intuitivo, não exige nenhum raciocínio baseado em conhecimento de fatos pretéritos e análise de padrões estatísticos; além disso, soa quase profético, dando ao falante o prazer de anunciar o futuro como se fosse iluminado, capaz de perscrutar o amanhã, trazendo informações que os outros não percebem. Por isso, a memória fica fraca e todo mundo esquece as agruras de anteontem. A rigor, a natureza nunca esteve tão pacífica. Vulcões, terremotos, maremotos, chuvas torrenciais, secas, calores, glaciações, tornaram-se raros e menos agressivos quando ocorrem. Essa calmaria permitiu o surgimento de animais sofisticados, sem proteção contra agudas variações de temperatura e umidade, que desembocaram em mamíferos bípedes capazes de se distinguir do meio onde vivem e, mais que isso, construir ambientes artificiais mais agradáveis que os naturais.
A resposta para a enchente no Rio Barigui não é cataclísmica, a ser anunciada com trombetas sopradas por anjos barrocos. A ocupação da várzea, com o apoio de políticos em geral, é a causa dos danos. As enchentes são parte dos ciclos naturais. Não é a enchente que traz sofrimento. É a presença de casas, ruas, lojas, lixo, muito lixo, no caminho das águas que gera tragédia. O terremoto de 1985 na Cidade do México demoliu mais de 100 mil edificações porque a cidade foi construída em aterro feito sobre um lago. Quando veio o sismo, o chão chacoalhou igual a gelatina. Guardadas as proporções, o pano de fundo é o mesmo: negligência ou arrogância diante das forças da natureza que são sobejamente conhecidas.
Alguém pode dizer que a chuva extrapolou os padrões porque a civilização industrial está bulindo demais com o clima. Estamos mesmo gerando o nosso extermínio, cutucando a natureza com vara curta? Não vi, não sei, mas aprecio quem sabe.
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