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Editorial

A ADPF das Favelas e a polícia ideal segundo o ministro Fachin

Edson Fachin
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e relator da ação, Edson Fachin (Foto: Jonathan Campos/Arquivo Gazeta do Povo)

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Um tema como a segurança pública, que afeta diretamente a vida de todos os cidadãos, não pode ser tratado de forma leviana ou pouco realista. O Brasil é um país violento e inseguro, que sofre com a criminalidade cada vez mais bem preparada e armada. Não são poucas as vezes em que as forças de segurança se encontram em evidente desvantagem diante dos criminosos.

Qualquer um que se proponha a discutir políticas públicas na área de segurança deve ter isso em mente, sob risco de, caso não o faça, acabar trabalhando a favor do crime. Um exemplo disso são as várias restrições impostas pelo Supremo Tribunal Federal ao trabalho das polícias, como as ocorridas na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 635, sob relatoria do ministro Edson Fachin, que voltou à pauta do STF nesta semana.

Além de ser indevida, na medida em que configura uma intervenção direta do STF na autonomia dos estados para desenvolver ações contra a criminalidade, a chamada ADPF das Favelas restringiu consideravelmente o poder de ação das polícias e forças de segurança no estado do Rio de Janeiro. Desde o início da ação, ainda em 2020, a partir do pedido de ONGs e com o apoio de partidos como PSB, PT e PSOL, diversas imposições absurdas foram feitas ao trabalho das polícias no Rio de Janeiro, sob o argumento de omissão do estado no combate à letalidade policial, e essas medidas ainda estão em vigor.

Entre as imposições do STF está a proibição de operações nas comunidades, exceto em casos “absolutamente excepcionais”, a comunicação antecipada ao Ministério Público antes de cada incursão, a vedação ao uso de helicópteros e a obrigação do estado do Rio de Janeiro de elaborar um plano de “redução da letalidade policial”. O resultado de tais medidas não poderia ser diferente: as favelas do Rio de Janeiro tornaram-se um porto seguro para os criminosos. Como disse o prefeito do Rio, Eduardo Paes, os cariocas têm a sensação de que a cidade se tornou um “resort para delinquentes”.

É preocupante que um ministro do STF defenda que seja melhor para a sociedade a quase anulação do poder de combate ao crime da polícia

Numa petição em que pede para ser admitida como amicus curiae na ADPF 635, a prefeitura do Rio explicou que várias áreas estão dominadas por organizações criminosas fortemente armadas, cercadas com barricadas. Protegidos dentro das favelas, como mostrou a Gazeta do Povo, lideranças do narcotráfico do Rio têm encontrado mais facilidade para fortalecer e ampliar suas posições, fazer treinamentos táticos para se preparar para combates com as forças de segurança, aumentar seus arsenais de guerra e até mesmo receber traficantes de outros estados.

Mas para o ministro Edson Fachin esse modelo de polícia – que tem de “pedir licença” e avisar com antecedência caso queira fazer uma operação policial, só pode entrar em locais delimitados e deve usar preferencialmente armas não letais, mesmo quando enfrenta criminosos fortemente armados – funciona muito bem, e vai funcionar ainda melhor se outras medidas para restringir a ação dos policiais forem adotadas.

Na última quarta-feira (5), ao proferir seu voto no julgamento de mérito da ADPF 635, que dará uma decisão definitiva e abrangente sobre a questão, Fachin chamou de “grave equívoco” e uma “inverdade” anexar a violência que assola o RJ às medidas impostas pelo STF. Fachin defendeu a continuidade das restrições já previstas e sugeriu outras, como o afastamento provisório de policiais envolvidos em mais de uma morte no período de um ano; a investigação de crimes supostamente cometidos por policiais pelo Ministério Público; a proibição de a Polícia Civil fazer a perícia nas investigações de mortes intencionais causadas por seus agentes, além do uso de câmeras corporais também na Polícia Civil em ações ostensivas.

O ministro propôs ainda a criação de um “comitê de instituições e entidades civis” para monitorar as determinações do STF. Por conta das proposições de Fachin, o julgamento da ADPF das Favelas foi suspenso pelo presidente do STF, Luís Roberto Barroso, para que os demais ministros possam analisar as propostas detalhadas ao longo de um voto de 182 páginas. O julgamento deverá ser retomado no próximo mês.

Por melhores que sejam as intenções de Fachin, as restrições impostas pelo STF ao longo dos últimos anos à polícia do Rio de Janeiro são desastrosas. É uma aberração a corte insistir em intervir em qualquer área ou tema sem ver problema algum e ainda ter a pretensão absurda de enfrentar questões complexas como as relacionadas à segurança pública a partir de sua sede em Brasília. Prioritariamente, cabe aos estados as decisões sobre ações e políticas públicas relacionadas à segurança pública. Ao impor regras ao governo do Rio de Janeiro sobre como as forças de segurança estaduais devem agir, o STF está ferindo a autonomia do Poder Executivo estadual e criando o precedente perigoso de que o STF pode agir de forma impositiva na segurança pública – ou em outras áreas – de outros estados.

Além disso, a abordagem de Fachin, ideológica e nada técnica, tende sempre a favorecer a atuação dos criminosos, colocando o trabalho das forças de segurança sob desconfiança. O efeito prático é uma inversão de valores, onde a prioridade deixa de ser a segurança da sociedade e a repressão à criminalidade, passando a ser a integridade do criminoso. É preocupante que um ministro do STF defenda que seja melhor para a sociedade a quase anulação do poder de combate ao crime da polícia. Mesmo outros ministros da corte, como Alexandre de Moraes, criticaram as novas propostas de Fachin.

Para Moraes, que já foi secretário de Segurança em São Paulo e Ministro da Justiça, não haveria sentido em defender protocolos de atuação que impõem “o uso gradativo da força”, ou que impeçam a entrada dos policiais em locais como escolas e hospitais, e não se pode “romantizar” a questão da violência. “Não podemos dar uma mensagem de que a polícia não pode ingressar fortemente armada, que não pode fazer operação em todo o território onde haja criminosos, porque estão atuando perto de escolas e hospitais”, disse Moraes.

A segurança da população depende da capacidade de o Estado reagir com firmeza e prontidão aos avanços da criminalidade, em todos os territórios e frentes, incluindo o uso da força e armamento pelo menos compatível ao que é usado pelos criminosos. Obviamente, isso não significa autorização para que as polícias ajam contra a legalidade. Eventuais abusos e crimes cometidos por policiais devem ser punidos com todo o rigor, mas isso jamais se confunde com tratá-los como criminosos em potencial.

A ADPF 635, assim como outras ações atualmente em curso no STF, nem deveria existir. Muito melhor teria sido se, na época da proposição da ADPF das Favelas, a corte tivesse reconhecido que não cabe a ela impor políticas de segurança pública nem regras para a ação policial. Agora que o estrago já foi feito – e sabe-se lá quantos anos serão necessários para redimir os efeitos adversos das decisões equivocadas de Fachin – o melhor caminho é encerrar a ADPF e devolver ao estado do Rio o poder de combater a criminalidade e defender os cidadãos. Se o ministro Edson Fachin é incapaz disso, que ao menos seus colegas de corte o façam.

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