A esquerda em geral e o petismo em particular têm muitos “anos que não terminaram”. Um deles é 1997, quando o governo de Fernando Henrique Cardoso privatizou a Vale do Rio Doce. Pouco depois, em 2003, Lula chegaria à Presidência da República sem ter nas mãos o controle de uma das maiores mineradoras do mundo, e aparentemente jamais se conformou com isso; restou-lhe colocar o peso da relevante participação acionária que o governo ainda detinha por meio de fundos de pensão e do BNDESPar para tentar interferir na empresa. Às vezes tem sucesso, como quando conseguiu defenestrar Roger Agnelli; mas, quando encontra resistência, o ressentimento faz Lula revelar seu sonho – ou pesadelo, melhor dizendo – para a Vale e para todo o sistema econômico brasileiro.
Sem conseguir até agora emplacar seu ex-ministro Guido Mantega na presidência da empresa – ou mesmo no Conselho de Administração –, Lula tem reclamado da Vale em todas as ocasiões possíveis. Na terça-feira, em entrevista ao canal de televisão RedeTV!, o presidente citou desastres ocorridos no passado recente, como o de Brumadinho, para dizer que a Vale “não é dona do Brasil”. Criticou as decisões de negócio da mineradora de forma bastante errática e incoerente: disse que “a Vale não pode ter o monopólio”, mas também reclamou porque a mineradora está vendendo ativos – aparentemente, só a Petrobras pode ser monopolista, a julgar pelas tentativas de recompra de refinarias. Queixou-se, ainda, de a Vale ter abandonado alguns projetos que eram estratégicos – ao que tudo indica, mais estratégicos para o governo ou para o PT que para a empresa.
O petismo adapta o mantra fascista “tudo no Estado, nada contra o Estado, e nada fora do Estado” e coloca em seu lugar o partido; é a ele que tudo tem de servir, das instituições de Estado aos entes privados
E, para que não ficasse dúvida alguma, Lula tratou de explicar por que, no catecismo petista, é pecado grave que uma empresa priorize o seu crescimento e tome as decisões de negócio que lhe sejam mais interessantes: “empresas brasileiras precisam estar de acordo com aquilo que é o pensamento de desenvolvimento do governo brasileiro. É isso que nós queremos”. Não se referia apenas à Vale, mas a “empresas brasileiras”, no plural. Poderia ao menos ter camuflado a ânsia de controle usando, por exemplo, algum termo como “projeto de Estado”, mas não: preferiu falar diretamente do “governo” – no caso, o seu.
O petismo adapta o mantra fascista “tudo no Estado, nada contra o Estado, e nada fora do Estado” e coloca em seu lugar o partido; é a ele que tudo tem de servir, das instituições de Estado aos entes privados. É por isso que Lula começou a fritar Agnelli em 2009, até conseguir removê-lo em 2011, quando o petista já havia saído do Planalto. O executivo presidia a Vale desde 2001, e durante sua gestão o valor de mercado da mineradora aumentou quase 16 vezes. A empresa, blindada de interferências políticas, deu ênfase à produção e exportação de minério de ferro, desagradando Lula e Dilma Rousseff, que desejavam ver a mineradora investir em siderúrgicas. O foco no que é importante para a empresa também colocou o atual presidente, Eduardo Bartolomeo, na mira de Lula.
A função das empresas, no entanto, não é a de servir aos planos do governo de turno – e chega a ser assustador ter de insistir em algo tão óbvio –, mas a de colaborar para um desenvolvimento autêntico, oferecendo ao público os produtos e serviços de que necessita, buscando o lucro que ajuda a gerar emprego e renda, estimulando o aperfeiçoamento humano e profissional de todos os que se relacionam com ela, como funcionários, fornecedores e clientes, e assim contribuindo para o bem comum. Para isso, precisam de liberdade, e não de intervencionismo – e daí se conclui que o verdadeiro desenvolvimento pouco ou nada tem a ver com o “pensamento de desenvolvimento do governo brasileiro” defendido por Lula.
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