O presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, vem dizendo que não faz sentido respeitar o teto de gastos definido em lei nem o equilíbrio das contas públicas enquanto houver pobreza no país. Lula tem afirmado publicamente que o governo deve gastar mais (sem informar qual o limite) a favor das pessoas e famílias pobres, mesmo sem receitas de impostos suficientes para pagar a conta. Por óbvio, Lula está propondo que os gastos e os déficits fiscais sejam pagos com mais dívida do governo ou emissão de moeda. Ao presidente eleito deveria ser perguntado se ele sabe que déficits repetidos por vários anos, pagos com mais dívida ou impressão de dinheiro, têm consequências graves e nocivas à economia, especialmente aos pobres, e completamente alheias às vontades dos governantes.
Cabe ressaltar, por exemplo, que há diferença entre os efeitos de um déficit feito para construir uma obra (uma ferrovia, um hospital ou uma escola) e os efeitos de um déficit feito para aumentar gastos burocráticos ou custeio com a máquina pública. Mas a diferença nesse caso se refere apenas à qualidade do gasto, não aos efeitos do déficit em si, pois as consequências do aumento da dívida pública ou do aumento da moeda circulante usado para pagar os gastos são as mesmas em ambos os casos. Se o governo decidisse gastar mais com programas direcionados aos pobres e pagasse esses novos gastos com recursos diminuídos de outras despesas, de forma a não piorar o saldo das contas, ocorreria apenas mudança no destino dos gastos, sem provocar elevação do déficit e sem a necessidade de o governo fazer mais dívida ou emitir moeda.
A inflação é a forma mais cruel de anular as boas intenções que levam à emissão de dinheiro acima do aumento do produto nacional, com o triste efeito de punir especialmente aqueles que foram usados como justificativa para explodir os gastos: os pobres
Mas não é disso que Lula anda falando. O que ele anda dizendo é que manterá os gastos que já consomem todo o orçamento público e que vai estourar o teto de gastos definido em lei para aumentar as despesas com programas direcionados aos pobres. A intenção pode parecer algo nobre, porém, se fosse possível explodir as contas públicas, gastar mais e mais, e fazer déficits todos os anos sem criar problemas nem destruir a economia, certamente não haveria pobres no mundo. Por um raciocínio simples, é fácil saber que há limites para o endividamento público, pois quem empresta dinheiro ao governo na moeda nacional são pessoas e empresas, por intermediação do sistema bancário ou comprando diretamente títulos do Tesouro Nacional. E isso tem limites claros.
Sem a possibilidade de fazer dívida ilimitada, a persistência de gastos deficitários obriga o governo a fabricar dinheiro (expansão da base monetária, na linguagem dos economistas) destinado a pagar as contas. É nesse ponto que as nobres intenções não impedem consequências desastrosas capazes de espalhar sofrimento a todos, principalmente aos pobres. O que determina o nível de bem-estar social e o padrão de consumo de um povo é o tamanho da produção de todos os bens e serviços comparado com o tamanho da população. Ou seja, é a economia real que define o padrão de vida, e não o quanto de dinheiro existe em circulação em forma de moeda manual e moeda escritural.
O total de moeda em circulação (os meios de pagamentos) representa o total do produto nacional em circulação (o Produto Interno Bruto, PIB), e a relação entre essas duas quantidades (total de moeda dividido pelo total de produto transacionado) dá um quociente que se poderia chamar de “preço nacional médio”. Se houver aumento do total de moeda manual ou escritural em circulação e não houver aumento do PIB transacionado, esse quociente (preço nacional médio) aumentará, ou seja, haverá aquilo que qualquer pessoa conhece como “inflação”.
Tendo sido presidente da República por dois mandatos, Lula já devia ter aprendido os princípios mais elementares da ciência econômica. Por exemplo, ele deveria saber que todo o dinheiro que existe em circulação – nos bolsos e nas contas das pessoas, das empresas e do governo (municípios, estados e União) – é uma espécie de representação de todos os bens e serviços disponíveis no mercado. Se houver criação de dinheiro a partir do nada, seja moeda em notas de papel ou moeda escritural na conta do governo, o país terá mais dinheiro para representar os mesmos bens e serviços, logo, o dinheiro passa a valer menos. Inflação é isso. Os preços aumentam para se adequar à nova situação de mais dinheiro sem mais produto.
A inflação é a forma mais cruel de anular as boas intenções que levam à emissão de dinheiro acima do aumento do produto nacional, com o triste efeito de punir especialmente aqueles que foram usados como justificativa para explodir os gastos: os pobres. Não é preciso dizer que a inflação pune mais severamente os pobres e os assalariados de baixa renda que as classes de renda mais alta, pois a sociedade percebe isso o tempo todo. Ou Lula não sabe essas coisas e pode acabar impondo sofrimento à população, ou ele sabe e mesmo assim fará a nação sofrer por sua demagogia e incompetência. Goste-se ou não do governo que se encerra, o fato é que o Brasil estava se recuperando após três tragédias ao mesmo tempo: a pandemia mundial do coronavírus, a grave seca que durou 18 meses e os efeitos da guerra entre Rússia e Ucrânia.
O governo pode ser tentado a aumentar impostos para sustentar novos gastos, embora Lula não esteja deixando nada claro. Ele segue dizendo que vai revogar o teto de gastos, que é, no fundo, um limite imposto ao déficit público. A hipótese de aumentar tributos é perigosa, pois a carga tributária atual já é muito alta e eventuais novos aumentos acabariam por puxar a economia para baixo. Tudo isso resumido pode redundar em interrupção da recuperação econômica que começou em 2022. Assim, cabe à sociedade ficar vigilante e pressionar o governo para evitar imprudência fiscal e medidas que notoriamente terminam em inflação ou recessão, ou ambas.
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