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A ilusão da “bagagem gratuita”
| Foto: Bonnie Henderson/Pixabay

Uma cortesia com chapéu alheio recentemente aprovada no Congresso Nacional tem tudo para atrapalhar muito ou até mesmo inviabilizar um modelo de negócios que traria muitos benefícios ao ainda subaproveitado potencial brasileiro para o transporte aéreo. Durante a tramitação da Medida Provisória 1.089, chamada “MP do Voo Simples”, que reduz burocracias para o setor, os parlamentares reintroduziram o despacho gratuito de bagagem em voos domésticos e internacionais, que não constava do texto original da MP e havia sido abolido pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) em 2016.

Ao permitir que as empresas aéreas cobrassem pelo despacho de malas, a Anac não apenas igualou o Brasil a inúmeros outros países com mercado aéreo mais competitivo, como também reconheceu uma realidade óbvia: transportar uma peça de bagagem tem seu custo, desde o consumo maior de combustível da aeronave, por estar mais pesada, até o pessoal necessário para manipular a mala durante todo o tempo em que estará longe de seu dono. Quando a companhia é obrigada a oferecer esse serviço gratuitamente, o resultado é óbvio: todos esses custos – que não desaparecem apenas porque algum burocrata ou parlamentar impôs um carimbo de “gratuito” sobre o serviço – serão igualmente repartidos entre todos os passageiros, desde o que despacha três malas enormes até o que viaja apenas com a bagagem de mão. Era o que ocorria até 2016, e o que pode voltar a ocorrer agora.

Este excesso de “gratuidades” nada gratuitas – pois, quando ninguém está pagando, muito provavelmente todos estão pagando – é fatal para o modelo de negócios das empresas low cost, que o Brasil tenta atrair

É verdade que, durante as discussões para o início da cobrança pelo despacho de bagagem, alegou-se que o preço das passagens cairia. O argumento, no entanto, era extremamente simplista, e é bem possível que a população tenha sido induzida a acreditar erroneamente que a redução nas tarifas seria tão certa quanto duradoura. Afinal, para as passagens ficarem mais baratas seria necessário que todos os demais gastos se mantivessem iguais, o que era extremamente difícil de ocorrer. Mudanças na cotação do dólar, um reajuste para aeroviários ou o encarecimento do combustível de aviação, por exemplo, bastariam para elevar novamente o preço das passagens. E, de fato, bastaram alguns meses para as tarifas voltarem ao que se cobrava na época da bagagem “gratuita”, irritando os passageiros. É na esteira dessa indignação e do desconhecimento sobre como se formam os preços de produtos e serviços que o populismo faz a festa.

Este excesso de “gratuidades” nada gratuitas – pois, quando ninguém está pagando, muito provavelmente todos estão pagando – é fatal para um modelo de negócios que ainda engatinha no transporte aéreo brasileiro, mas que é bastante conhecido de quem voa na Europa ou nos Estados Unidos: o das empresas low cost, que podem cobrar tarifas muito mais baratas justamente porque qualquer comodidade adicional – da bagagem despachada até as refeições, passando pelo direito de escolher o assento – é cobrada unicamente do passageiro que opta por ela. Assim, quem está interessado apenas em voar de uma cidade a outra paga só por este serviço, sem ter de bancar a bagagem ou a alimentação alheia. O Brasil já atraiu esse tipo de empresa: entre 2018 e 2020, a Norwegian Air voou entre o Rio e Londres chegando a cobrar pouco mais de R$ 1 mil por trecho na versão mais enxuta da passagem, e isso só foi possível porque não havia gratuidades impostas pela lei ou pela agência reguladora.

O governo federal já se manifestou contrariamente à volta da bagagem “gratuita”, e o presidente Jair Bolsonaro faria bem se repetisse o que fez em 2019, quando vetou medida idêntica, incluída pelo Congresso em uma MP de Michel Temer que abria o mercado ao capital estrangeiro. Naquela ocasião, a articulação do Planalto garantiu que o veto fosse mantido. Necessitando atrair mais concorrentes para um mercado ainda bem restrito em termos de players, o Brasil não pode se dar ao luxo de espantar potenciais interessados impondo custos que encarecem o serviço para todos os passageiros e dificultam a competição.

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