Neste 2021 que termina com vários indicadores econômicos bastante preocupantes – inflação, dólar e juros em alta; e desemprego ainda persistente, embora em trajetória de queda –, há alguns números que merecem destaque no campo positivo: o aumento da arrecadação, a melhoria no resultado primário e a redução na dívida pública como proporção do PIB; em todos esses casos, há forte chance de o resultado consolidado de 2021 ser bem melhor que as previsões feitas no início do ano, embora as explicações para tal estejam também nos indicadores ruins, mostrando que a recuperação não se baseia apenas em fatores virtuosos e que o mercado financeiro tem razão quando continua a desconfiar da saúde fiscal brasileira.
O ano de 2020 foi movido a enormes gastos governamentais para conter os efeitos econômicos da quebradeira geral provocada pelas medidas de combate à pandemia de Covid-19. Foram centenas de bilhões de reais em programas como o auxílio emergencial e o pagamento de compensações aos trabalhadores que tiveram contratos de trabalho suspensos ou tiveram jornada e salário reduzidos – um dinheiro muito bem gasto, pois colaborou para a preservação de vários postos de trabalho e manteve ao menos parte do poder aquisitivo das famílias mais pobres. Mas mesmo uma despesa necessária e justificada deixa sua marca nas contas públicas – no caso, um déficit primário de 9,44% do PIB e uma dívida pública que passou de 75,2% para 88,8% do PIB, considerando a soma dos resultados de União, estados, municípios e estatais.
A quebra de confiança no ajuste fiscal brasileiro, provocada por medidas como a PEC dos Precatórios, leva o investidor a exigir juros cada vez maiores na compra de títulos brasileiros
Em 2021, no entanto, houve uma reversão na trajetória da dívida pública: depois de bater os 89,4% em fevereiro, o indicador começou a recuar até chegar a 82,9% em outubro, com previsões para fechar o ano em 81,2% do PIB na estimativa de instituições do mercado financeiro. Um contraste enorme com as previsões de início do ano, quando as projeções colocavam a dívida perto de 93% do PIB no fim deste ano. E o resultado primário do setor público tem melhorado a ponto de o déficit primário dos 12 meses terminados em outubro ser de apenas 0,24% do PIB; há quem considere que 2021 pode terminar com superávit primário, o que não ocorre há muitos anos.
No entanto, especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo explicam que parte dessa melhoria é efeito justamente de um dos mais problemáticos indicadores do ano: a inflação fora de controle, voltando aos dois dígitos pela primeira vez desde 2015. Preços de produtos e serviços em alta geram mais impostos, especialmente quando o modelo brasileiro tributa pesadamente a produção e o consumo; e puxam o PIB nominal para cima, reduzindo a proporção dívida/PIB. Em outras palavras: a proporção caiu não porque a dívida esteja sendo reduzida, mas apenas porque o PIB subiu, e parte desta subida se deve não à recuperação econômica (que inegavelmente existe), mas à elevação nominal de preços do que é produzido no país.
E o que a inflação trouxe “de positivo” (e essa expressão precisa ser usada com muito comedimento, dados os enormes prejuízos que a inflação causa) em 2021 será tomado de volta em 2022, já que a alta dos juros para conter a espiral inflacionária aumentará a dívida pública, que é em parte atrelada à Selic. Além disso, a quebra de confiança no ajuste fiscal brasileiro, provocada por medidas como a PEC dos Precatórios, leva o investidor a exigir juros cada vez maiores na compra de títulos brasileiros, encarecendo mesmo a dívida não atrelada à Selic. Como resultado, o mercado estima que proporção entre dívida e PIB voltará a subir, até chegar a quase 89% em 2026 e 2027, antes de começar a cair. Esta porcentagem, é preciso ressaltar, corresponde ao critério do Banco Central, que não considera os títulos do Tesouro em posse do próprio BC. Instituições internacionais como o FMI incluem esses títulos em seu cálculo, resultando em uma proporção dívida/PIB ainda maior – nesta conta, a dívida pública encerrou 2020 em 98,9% do PIB, dez pontos porcentuais a mais que pelo critério do BC.
Depois dessa melhora ilusória nas contas públicas em 2021, o próximo ano deve ter um aumento da proporção dívida/PIB e a volta de um déficit primário substancial – R$ 79,3 bilhões, segundo a recém-aprovada lei orçamentária. Que 2022 ao menos sirva para Executivo e Legislativo lançarem as bases para que os anos seguintes vejam melhoras com bons fundamentos, sem novas gambiarras orçamentárias, com a aprovação de reformas como a administrativa e tributária, com inflação sob controle e juros novamente em trajetória de baixa. Um compromisso real com a saúde fiscal do Brasil recuperará a confiança do mercado e atrairá mais investimentos que geram emprego e renda.
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