Quando a militância defensora do direito de eliminar um ser humano indefeso e inocente por meio do aborto finalmente consegue o que deseja – tanto de forma ampla, com a legalização indiscriminada, quanto apenas em determinados casos –, ainda resta um obstáculo: a consciência de inúmeros profissionais da medicina que, guiados por suas convicções, seja de que ordem forem, se recusam a tomar parte na morte de um nascituro. Mas, para eles, o abortismo também tem um coelho na cartola. Afinal, quem não respeita nem mesmo o mais importante dos direitos, o direito à vida, não haverá de ter consideração pelo que um médico pensa ou deixa de pensar.
Em maio, o ministro Alexandre de Moraes, do STF, resolveu interferir diretamente na atividade profissional dos médicos ao derrubar, a pedido do PSol, uma resolução do Conselho Federal de Medicina que proibia o uso da assistolia fetal para abortos em nascituros que já haviam chegado à viabilidade fetal – o momento em que há chance de sobrevivência fora do útero. A resolução era perfeitamente razoável: a assistolia fetal em si mesma é um método cruel, que consiste em forçar uma parada cardíaca no feto por meio da aplicação de uma solução diretamente em seu coração, sem anestesia – algo a que nem mesmo animais são submetidos quando precisam ser sacrificados. Além disso, se há chance de o bebê sobreviver fora do útero (ainda que não haja certeza absoluta de sucesso), podendo-se escolher entre um ato que mata a criança (o aborto) e outro que lhe dá a chance de viver (a antecipação do parto), sendo que ambos encerram a gravidez, os princípios éticos da beneficência e da não maleficência apontam inequivocamente para a antecipação do parto.
A militância abortista não se contentará em legalizar o aborto; ela tentará impor aos médicos a obrigação de fazê-lo
Não satisfeito em derrubar a resolução, Moraes – e vários outros juízes em instâncias superiores – ainda passaram a exigir que o sistema de saúde comprovasse que os abortos tardios estavam sendo realizados. Isso levou alguns governos, como o de São Paulo, a procurar mulheres que alegavam ser vítimas de violência sexual e pretendiam abortar seus filhos que já haviam atingido a viabilidade fetal, mas não tinham sido atendidas já que a resolução do CFM estava em vigor. Esse tipo de marcação cerrada do Judiciário está levando os hospitais a buscar médicos dispostos a fazer esse tipo de aborto tardio, para não correrem o risco de serem acionados judicialmente caso uma gestante fique sem atendimento em uma instituição onde todos os médicos presentes recorram à objeção de consciência – um cenário não de todo inverossímil, considerando as altas porcentagens de objetores em países onde o aborto é legal ao menos em alguns casos ou períodos, como Itália ou Irlanda.
Esse tipo de pressão subliminar não bate de frente com o direito à objeção de consciência, que é cláusula pétrea (pois consta do inciso VI do artigo 5.º da Constituição) e é protegido pelo Código de Ética Médica, mas acaba funcionando de outra forma, por exemplo reduzindo as oportunidades profissionais dos médicos que se recusam a fazer abortos. Isso não significa, no entanto, que militantes e legisladores abortistas deixarão intacto esse direito sem brigar para eliminá-lo. Em 2023, comentando um relatório sobre os três anos da legalização do aborto na Irlanda, a Anistia Internacional chegou ao ponto de afirmar que “não existe, na lei internacional, um direito humano a se recusar a fornecer serviços de saúde com base em objeção de consciência ou crença religiosa” – o “serviço de saúde” em questão, obviamente, é a realização do aborto. Alguns países usam um truque para manter uma aparência de respeito à liberdade do médico: reconhecem seu direito a não fazer abortos, mas o obrigam a encaminhar a gestante a um profissional que o faça – o que, na prática, viola a consciência do objetor da mesma forma, pois o força a cooperar, embora de forma menos direta, com o mal que deseja evitar.
Em outros casos, as iniciativas legislativas são mais explícitas, como nos projetos de lei apresentados pela deputada Sâmia Bomfim (PSol-SP) que equiparariam a objeção de consciência à omissão de socorro, punida com até seis meses de prisão – caso se trate de médico da rede pública, ele ainda poderia perder o cargo por improbidade administrativa. A deputada ainda tenta estabelecer uma confusão ao estabelecer que, caso a gestante morra, o médico seria acusado de homicídio culposo, insinuando que ele poderia alegar objeção de consciência para não atender uma mulher em risco, algo que nenhum profissional decente faria. Todo médico sabe que, diante de uma emergência envolvendo uma gestante – inclusive uma emergência decorrente de aborto clandestino malfeito –, é sua obrigação fazer o que estiver a seu alcance para salvá-la; isso não tem relação alguma com a recusa em fazer um aborto.
Por tudo o que aprendem em sua formação acadêmica, os profissionais de saúde – especialmente os médicos – estão em uma posição única para compreender o que está em jogo no aborto, e sabem que lidam com uma vida humana, existente desde o encontro dos gametas masculino e feminino. Para o abortismo, anestesiar e calar a voz da consciência em cada médico é essencial; onde isso não for possível, apele-se à autocontenção, acenando com o medo de punições ou do ostracismo profissional; e, por fim, se isso não funcionar, use-se a coerção pura e simples. A militância sabe que transformar o aborto em um direito da gestante é trabalho feito pela metade se ele também não for transformado em um dever do médico. A defesa do direito à objeção de consciência é uma frente de batalha que pode até não ser tão visível quando o empenho pela proteção do nascituro, mas que tem enorme importância, e que pede o empenho do movimento pró-vida.
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