O presidente francês, Emmanuel Macron, fez um breve tour pelo Brasil na semana passada. O roteiro incluiu Belém (PA), Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília, com direito até mesmo a um passeio por uma área da Floresta Amazônica ao lado do brasileiro Lula, com fotos imediatamente ridicularizadas na internet. O petista ouviu do francês novas promessas de dinheiro para a Amazônia: seriam R$ 5 bilhões em quatro anos, ainda mais que os 500 milhões de euros prometidos meses atrás em Dubai, e dos quais o Fundo Amazônia ainda não recebeu um centavo. A viagem, descrita por Macron como um “casamento”, também teve um batizado: o do submarino Tonelero, de propulsão convencional – Lula cobrou de Macron a transferência de tecnologia para a construção de submarinos nucleares.
O Tonelero, se depender de Macron e, em menor grau, também de Lula, já tem um alvo a torpedear: o acordo comercial entre União Europeia e Mercosul, assinado em 2019, mas que depende da ratificação de todos os países-membros de ambos os blocos. Do lado europeu, o presidente francês é hoje o maior entrave à conclusão das negociações, e já fez inúmeras críticas públicas ao acordo, sempre apelando para a carta ambiental. Mas, aos poucos, Macron vai abrindo o jogo e admitindo que, no fundo, trata-se mesmo é do bom e velho protecionismo – no caso, manter os privilégios do setor agrícola francês, fortemente subsidiado e que teria de concorrer com um Mercosul cujo agronegócio é pujante, com produtividade muito mais elevada que a das nações europeias.
Macron e Lula têm seus motivos – nem sempre explícitos, mas ao mesmo tempo nada impossíveis de compreender – para atrapalhar o que seria o maior acordo comercial entre blocos econômicos do planeta
Com agricultores em revolta não apenas na França, mas em vários outros países do continente, Macron não quer correr o risco de enfraquecer ainda mais sua popularidade contrariando o setor – embora pudesse ter pedido alguns conselhos a Lula, especialista em hostilizar o agronegócio brasileiro. Ironicamente (ou hipocritamente), enquanto o presidente francês segue falando em clima e biodiversidade para atacar o acordo entre Mercosul e UE, a Comissão Europeia acaba de aprovar uma flexibilização das normas ambientais impostas aos agricultores, medida que não foi ignorada por parlamentares brasileiros como a senadora e ex-ministra da Agricultura Tereza Cristina: “Esta é a mesma UE que não reconhece o Código Florestal brasileiro, que exige preservação de 20% a 80% (contra 4% lá!!!) das propriedades rurais e quer impor às nossas exportações regras próprias antidesmatamento. Barreiras comerciais travestidas de exigências ambientais”, afirmou nas mídias sociais.
Mas as resistências não estão apenas do outro lado do Atlântico. Hoje, Lula e seus ministros elogiam o acordo e dizem querer logo a ratificação, mas o petista também se empenhou em torpedeá-lo no passado e ainda tem suas reservas ao texto. Um ponto especialmente sensível é o das compras do governo. Em dezembro do ano passado, Lula disse que “a gente não quer ceder em compras governamentais. Compras governamentais é uma coisa para a gente atender os interesses do governo, do fortalecimento da indústria e fazer com que as nossas micro, pequenas e médias empresas cresçam”. Ironicamente (ou hipocritamente), enquanto Lula fala em “fortalecimento da indústria” como argumento para barrar o acordo, este é um dos setores que mais insistem na conclusão célere das negociações, a julgar por repetidas declarações da Confederação Nacional da Indústria. Ao que tudo indica, apenas a parte dos “interesses do governo” faz sentido na fala de Lula, e não se trata, então, de proteger a indústria como um todo, mas apenas aquelas empresas específicas que têm bom trânsito no Palácio do Planalto, como já ocorreu em um passado não muito distante, e que perderiam terreno se tivessem de competir com gigantes europeus.
Proteger um setor grande, mas pouco eficiente, ou proteger os amigos: Macron e Lula têm seus motivos – nem sempre explícitos, mas ao mesmo tempo nada impossíveis de compreender – para atrapalhar o que seria o maior acordo comercial entre blocos econômicos do planeta, e a sinceridade ma non troppo do francês nos ataques ao acordo é até conveniente para o brasileiro, que não precisa ser tão enfático nas próprias críticas. Enquanto isso, perdem sul-americanos e europeus, consumidores e empresas, que seguirão sofrendo com o acesso dificultado a bens e serviços do outro bloco, seja pelas altas tarifas de importação, seja por outro tipo de barreiras.
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