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Editorial

Monark recupera perfis, mas os censores não recuam

Monark
Redes sociais de Monark estavam bloqueadas desde 2023. (Foto: Monark Talks/Reprodução)

Nos últimos dias, várias personalidades que haviam sido censuradas pelo ministro do STF Alexandre de Moraes tiveram seus perfis desbloqueados. Na sexta-feira, dia 8, Moraes devolveu ao influenciador Monark dezenas de perfis e contas que ele administrava em várias mídias sociais. No dia seguinte, voltaram ao ar os perfis do empresário Luciano Hang (no caso, um que havia sido suspenso em 2020) e dos jornalistas Guilherme Fiúza e Bernardo Küster. Mas apenas os brasileiros (e estrangeiros) mais desavisados haverão de acreditar que Moraes, o censor-mor da República, foi acometido de um surto súbito de consciência a respeito da liberdade de expressão no Brasil, e basta ler uma das decisões, aquela que desbloqueou as redes de Monark, para percebê-lo.

Com uma ligeireza assustadora, o ministro limita-se a afirmar que “no atual momento da investigação, entretanto, não há necessidade da manutenção dos bloqueios determinados nas redes sociais”, e basta. Não há nenhuma admissão, da parte de Moraes, de que houvesse algo de errado com as medidas anteriores adotadas por ele, por mais que a suspensão sumária de perfis em mídias sociais não esteja prevista no Marco Civil da Internet, e que esse tipo de medida não passa de censura prévia. Em outras palavras, eram decisões completamente arbitrárias, ilegais e inconstitucionais, tomadas sob a alegação de que Monark estaria espalhando “fake news”, algo que nem sequer é crime no ordenamento jurídico brasileiro.

Ao devolver as contas de Monark, Hang, Fiúza e Küster, Moraes não fez avançar um milímetro sequer a liberdade de expressão no Brasil, pois segue convencido de que a censura continua a ser plenamente justificada

Como lembrou o ex-procurador e ex-parlamentar Deltan Dallagnol ao comentar a recente reviravolta de Moraes, “Monark foi censurado, multado e punido sem crime algum”. Aliás, é significativo que até o momento não tenha havido nem sequer uma denúncia oferecida contra o influenciador pela Procuradoria-Geral da República a esse respeito – até hoje, só pesa contra Monark (hoje radicado nos Estados Unidos) uma condenação por injúria proferida contra o ministro do STF Flávio Dino. E, para que não ficassem dúvidas a respeito da certeza censora de Moraes, na mesma decisão em que desbloqueou as redes de Monark ele impôs multa de R$ 20 mil em caso de publicações que caracterizarem “grave e ilícita desinformação e discursos de ódio”, dois conceitos que não estão definidos na legislação; na prática, Moraes determina uma “obrigação de não fazer” algo que não está vedado por lei, violando frontalmente o inciso II do artigo 5.º da Constituição, assim como fizera quando bloqueou o X e impôs multa a todos os brasileiros que usassem VPNs para acessar a rede de Elon Musk.

Esse modus operandi de Moraes, em que ele anula de forma quase que casual as verdadeiras barbaridades antidemocráticas cometidas por ele mesmo contra cidadãos brasileiros, não é novo. Já havia ocorrido, por exemplo, no arquivamento da investigação contra um grupo de empresários por conversas privadas no WhatsApp, ou quando ele levantou o bloqueio ao X. E por esse motivo não há como tratarmos o episódio com condescendência. Ao devolver as contas de Monark, Hang, Fiúza e Küster, o ministro não fez avançar um milímetro sequer a liberdade de expressão no Brasil, pois segue convencido de que a censura, quando se trata de uma alegada “defesa da democracia”, continua a ser plenamente justificada. Ele continua a ser o mesmo liberticida que tem sido ao menos desde 2019; se reverte decisões anteriores de censura, o faz motivado apenas por um juízo de conveniência, como atesta no próprio texto da decisão relativa a Monark.

Conveniência, aliás, que nos leva a invocar um timing que não passou despercebido por muitos brasileiros genuinamente preocupados com o estado terminal da liberdade de expressão no Brasil. Neste domingo, Pedro Vaca Villareal, relator especial para a liberdade de expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) iniciou uma visita ao Brasil, durante a qual ouvirá “autoridades dos três poderes do Brasil e o Ministério Público, membros de organizações de direitos humanos, jornalistas, representantes de plataformas digitais, a imprensa e a academia” para “compreender a diversidade de perspectivas e experiências em relação à situação do direito à liberdade de expressão”. Estaria Moraes querendo passar uma imagem de normalidade às vésperas dessa visita, devolvendo a voz a quatro brasileiros censurados por ele mesmo?

Se Moraes está apenas usando Monark, Hang, Fiúza e Küster para iludir um visitante estrangeiro, ou se tudo não passa de uma enorme coincidência, o fato é que não há nada a normalizar, como se fosse possível concluir que “está tudo bem” agora que as contas foram restabelecidas. Quem cair nesta armadilha estará ajudando a transformar em algo corriqueiro aquilo que é sintoma evidente de um regime ditatorial. Nenhuma democracia faz o que está sendo feito no Brasil atual, em que cidadãos são calados sumariamente nas mídias sociais sem terem cometido crime algum. Sem violar a lei, sofrem punições que não estão na lei. Para cada Monark que tem suas contas restabelecidas, dezenas de outros, famosos e anônimos, seguem censurados por um magistrado que, a despeito de ter a responsabilidade de proteger a Constituição e as liberdades e garantias democráticas, atropela-as todas com total convicção de estar fazendo a coisa certa.

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