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Editorial

A arapuca de Lula para a economia

Diante a inflação, Lula pede ao consumidor: "Se o produto está caro, você não compra". (Foto: Reprodução/CanalGov)

O agora ex-presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, passou os dois primeiros anos do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ouvindo, com uma paciência elogiável, acusações de que atuava como sabotador da economia. Isso aconteceu toda vez que o BC aumentou a taxa de juros e explicou que a decisão era necessária devido à ingerência do governo federal e à falta de comprometimento com as metas fiscais.

Nesta quinta-feira (6), Lula voltou ao ataque e afirmou que Campos Neto armou uma “arapuca”. “Tivemos um aumento do dólar porque tivemos um Banco Central totalmente irresponsável, que deixou uma ‘arapuca’ que não podemos desmontar de uma hora para outra”, disse Lula, falando sobre a alta dos preços dos alimentos em entrevista a rádios da Bahia. Obviamente, o problema nunca foi Campos Neto, mas sim a política econômica do governo. Se há alguém armando uma verdadeira arapuca para a economia brasileira, é o próprio Lula. Prova disso é a ata da primeira reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) sob o comando de Gabriel Galípolo.

Lula e Haddad parecem ter ficado muito animados por terem conseguido cumprir as metas fiscais em 2024, registrado alta no PIB e baixas taxas de desemprego, e contam com resultados parecidos em 2025. No entanto, os prognósticos do mercado dizem o contrário

Basicamente, o documento mantém o mesmo tom de alerta sobre os riscos da política fiscal do governo, utilizado nas atas da gestão de Campos Neto, e destaca a piora do cenário de inflação. Na semana passada, o colegiado – responsável pelas decisões de política monetária do Banco Central – elevou a Selic em 1 ponto percentual (pp), para 13,25% ao ano, conforme havia "prometido" em dezembro. A decisão foi unânime. A ata publicada na terça-feira (4) mantém a indicação de outro aumento de 1 pp na próxima reunião, em março, mas não apontou se o ciclo de alta deve continuar de maio em diante.

O texto mostra desconfiança quanto ao cumprimento das metas de inflação. O Copom observa que as expectativas de inflação subiram "de forma significativa em todos os prazos" e ficaram ainda mais distantes da meta perseguida pelo BC – que é de 3%, com tolerância até 4,5%. "A desancoragem das expectativas de inflação é um fator de desconforto comum a todos os membros do Comitê e deve ser combatida", afirma a ata.

A ata também traz um puxão de orelha pela falta de compromisso do governo em equilibrar as contas públicas. A política fiscal adotada até agora seria "expansionista", voltada apenas ao crescimento econômico, e aponta que há "necessidade de políticas fiscal [a cargo do governo] e monetária [por parte do BC] harmoniosas" – coisa que o governo Lula tem se mostrado bem pouco disposto a realizar. Por fim, o documento avalia que, se as coisas continuarem como estão, com o “esmorecimento no esforço de reformas estruturais e disciplina fiscal, o aumento de crédito direcionado e as incertezas sobre a estabilização da dívida pública”, nem mesmo a alta de juros vai dar conta de frear a inflação.

Um governo com um mínimo de seriedade veria a ata do Copom como um sinal de alerta, mas para Lula – cada vez mais tomado pelo clima de campanha eleitoral antecipada – são apenas palavras inúteis. O governo não está disposto a fazer nada além do que já foi proposto na área fiscal – e que já era muito pouco – como mostram as “prioridades” da área econômica entregues pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, nesta semana ao novo presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta.

São 25 pontos, sendo 15 dependentes da aprovação de projetos específicos por parte do Congresso – alguns dos projetos sequer foram protocolados. Em relação à política fiscal propriamente dita, a prioridade do governo é o “fortalecimento do arcabouço fiscal, para assegurar a expansão sustentável do PIB, desemprego e inflação baixos e estabilidade da dívida” – mas há poucas propostas que podem de fato “fortalecer” o já minguado arcabouço.

Sem apresentar nada realmente novo, o governo aposta na limitação dos supersalários, na reforma da previdência dos militares e na tributação sobre milionários, temas polêmicos que vão precisar ser aprovados no Congresso Nacional. É uma aposta arriscada. Não há qualquer garantia de que projetos como esses sejam de fato aprovados ou que a aprovação se dê a tempo de causar algum impacto nas contas do governo.

Por outro lado, o governo também listou como prioridade a aprovação da isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil – proposta que já havia sido anunciada no final do ano passado, junto com o pacote de gastos de Haddad, e que não contribui em nada para que o governo equilibre as contas; ao contrário, faz a arrecadação diminuir.

São prioridades pífias que, sozinhas, não vão conseguir melhorar as perspectivas para a economia nacional. Lula e Haddad parecem ter ficado muito animados por terem conseguido cumprir as metas fiscais em 2024, registrado alta no PIB e baixas taxas de desemprego, e contam com resultados parecidos na economia em 2025. No entanto, os prognósticos do mercado dizem o contrário.

Como mostrou o jornalista Fernando Jasper em sua coluna na Gazeta do Povo, o Bradesco, um dos maiores bancos do país, aponta um cenário nebuloso e instável para a economia em 2025, com projeção de inflação de 5,7%, bem acima do IPCA medido no ano passado (4,8%) e do teto da meta perseguida pelo Banco Central (4,5%). O banco aposta também em pelo menos mais duas altas nos juros, com a Selic chegando a 15,25%, um PIB menor, em torno de 1,9%, e recessão na economia no segundo semestre – o que pode aumentar o desemprego.

Se tal cenário se confirmar, Lula terá trabalho para vender a fantasia lulopetista de que a economia vai muito bem e de que o presidente trabalha “com muito afinco” para “colocar as coisas nos eixos” na questão econômica.

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