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O ministro Fernando Haddad em fala à imprensa, em agosto de 2024.
O ministro Fernando Haddad, da Fazenda, em fala à imprensa, em agosto de 2024.| Foto: Diogo Zacarias/Ministério da Fazenda

Na sexta-feira, por ocasião da divulgação do mais recente do Relatório Bimestral de Avaliação de Receitas e Despesas, o governo federal anunciou uma redução de R$ 1,7 bilhão no congelamento de suas despesas para 2024, que passou de R$ 15 bilhões para R$ 13,3 bilhões.  Este bloqueio ocorre em duas modalidades que tomaram rumos diversos na comparação com os números de julho: o contingenciamento – que ocorre quando o valor até estaria dentro do aumento máximo de gasto permitido pela lei, mas comprometeria o esforço para atingir a meta fiscal – foi reduzido em R$ 3,8 bilhões; por outro lado, o bloqueio – que ocorre quando a previsão de gastos para o ano já estava superando até mesmo o limite máximo de inflação mais 2,5 pontos porcentuais de elevação na despesa em comparação com o ano anterior – aumentou em R$ 2,1 bilhões.

A elevação do bloqueio, apesar da redução maior no contingenciamento, dá a entender que a situação fiscal está se deteriorando e que o governo reconhece a situação. O problema, no entanto, é outro: muito em breve todos esses números correm o risco de se tornar uma grande ficção. Assim como ocorreu com o teto de gastos instituído em 2017 e que, antes de ser abolido em 2022, foi desmoralizado com uma série de “puxadinhos”, o arcabouço fiscal proposto pelo governo em 2023 já está sendo demolido graças a uma série de manobras orçamentárias. A diferença, no caso, é que com o teto de gastos foram necessários alguns anos para que ele se tornasse mera formalidade, enquanto o governo Lula levou pouco mais de um ano para acabar com o que ele mesmo propôs.

Ainda que uma despesa tenha sido “dispensada” de contar para os efeitos do arcabouço fiscal, ela ainda exige recursos públicos, que o governo terá de encontrar em algum lugar

E não falamos de despesas realmente extraordinárias, como foram aquelas exigidas para combater os efeitos econômicos da pandemia de Covid-19, ou aquelas necessárias para a reconstrução do Rio Grande do Sul após as enchentes de meses atrás. Com a ajuda do Congresso e do Supremo, o governo tem aprovado cada vez mais gastos que não serão contabilizados pelas regras do arcabouço fiscal ou que introduzem distorções que ajudarão a cumprir os objetivos de resultado primário estabelecidos em lei. É o caso da apropriação pura e simples, por parte do governo, de recursos “esquecidos” pelos cidadãos brasileiros, que o Legislativo permitiu serem contados como parte da receita primária, o que nenhum modelo sério de contabilidade pública aceitaria (e o Banco Central não aceita). Outro truque envolve o uso da Caixa Econômica Federal para turbinar o Auxílio Gás. Mais recentemente, o ministro Flávio Dino, do STF, praticamente determinou aumento de gasto governamental no combate às queimadas, permitindo que essa despesa não conte para os efeitos do arcabouço fiscal.

Se ao menos uma coisa o petismo aprendeu com o impeachment de Dilma Rousseff, foi a realizar todas essas manobras de forma a não deixar nenhum fio solto que possa levar a algum processo por crime de responsabilidade devido a pedaladas fiscais. Mas, ainda que Lula não possa ser condenado por nenhuma dessas artimanhas fiscais, ainda que no papel as metas do arcabouço eventualmente acabem cumpridas (e até isso está em dúvida, a julgar pelo alerta recente do TCU), isso significaria que o Brasil está trilhando um caminho minimamente comprometido com a responsabilidade fiscal? A resposta é um retumbante “não”, e para isso basta observar um único indicador: o da dívida pública.

O raciocínio é bastante simples: ainda que uma despesa tenha sido “dispensada” de contar para os efeitos do arcabouço fiscal, ela ainda exige recursos públicos, que o governo terá de encontrar em algum lugar, seja elevando os impostos, seja imprimindo moeda (e gerando inflação no processo), seja endividando-se. É por isso que o economista Marcos Lisboa, em entrevista recente ao jornal O Estado de S.Paulo, afirmou que, se “uma coisa não entra na despesa, outra sai da despesa primária, (...) vamos esquecer o superávit primário, que está se tornando um guia pouco relevante para a preocupação principal, que é o aumento da dívida pública”. E a trajetória da dívida não é nada animadora: os dados mais recentes, referentes a julho e divulgados no fim de agosto, apontam que ela continua crescendo em termos nominais e de porcentagem do PIB: os R$ 7,14 trilhões representam aumento de 1,02% na comparação com junho e 78,5% do PIB, segundo dados do Banco Central.

O arcabouço fiscal foi vendido pelo governo e, especialmente, pela equipe econômica de Fernando Haddad como uma ferramenta para a estabilização da dívida pública. Mas até o momento tudo o que temos é o aparente paradoxo de uma meta de resultado primário em vias de cumprimento, mas com dívida em alta. A chave, aqui, é o termo “aparente”, pois não há nada de paradoxal aqui: o que existe é a esperteza governamental, com a cumplicidade dos demais poderes, para termos uma regra fiscal formalmente respeitada, mas com tantas exceções que impedem o cumprimento dos seus alegados objetivos. Quando o Copom falava da necessidade de uma “política fiscal crível” como fator necessário à redução dos juros, parecia antecipar o que estava por vir. Cada exceção aberta às regras do arcabouço o torna menos crível, levando o Banco Central a usar a única ferramenta que tem para se contrapor à irresponsabilidade fiscal do governo.

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