Os argentinos não estão sendo castigados apenas pela pandemia de Covid-19, com todos os seus efeitos sanitários e econômicos – o país tem números muito parecidos com os do Brasil em termos de casos e mortes como proporção da população –; para agravar a situação, os vizinhos estão sofrendo duramente as consequências de políticas duras de controle de preços impostas pelo governo esquerdista de Alberto Fernández. Com a repetição recente de cenas de desabastecimento que também foram vistas durante os mandatos de Cristina Kirchner (hoje vice-presidente), a resposta da Casa Rosada foi bastante previsível: mais intervencionismo.
Um tabelamento mitigado, com o nome de Precios Cuidados, foi implantado na Argentina em 2014, ainda durante o segundo governo de Cristina Kirchner, e nem mesmo o autoproclamado liberal Maurício Macri teve a iniciativa de acabar com ele, limitando-se a reduzir a quantidade de produtos incluídos na lista. No Precios Cuidados, cada produto tinha um “preço de referência” decidido entre governo e fornecedores e divulgado à população, mas admitia-se alguma variação, inclusive para cima. No início de 2020, poucos meses depois de tomar posse, Fernández voltou a aumentar a lista de produtos, passando de 70 para cerca de 300 (hoje já são 600), lançou um aplicativo e colocou seus ministros para passear pelos supermercados, fiscalizar preços e publicar fotos em mídias sociais.
Alberto Fernández não podia alegar que era impossível imaginar o que viria ao congelar preços: a história recente da Argentina era prova do que acontece em épocas de intervencionismo
O Precios Cuidados, no entanto, não bastou, e logo no início da pandemia, em 20 de março, o governo partiu para o Precios Máximos, um tabelamento/congelamento “clássico”: os estabelecimentos comerciais tiveram de baixar os preços de 2 mil produtos para o que cobravam em 6 de março, mantendo-os congelados a partir daquela data. Desde então, apenas dois reajustes foram autorizados pelo governo, em julho e em outubro. O programa deveria ter sido encerrado em janeiro, mas foi prorrogado até o fim de março.
Quando teve a ideia de controlar os preços para conter a inflação, Fernández não podia alegar que era impossível imaginar o que viria: a história recente de seu país era prova disso. E, se quisesse, poderia ter olhado para o Brasil de José Sarney e do Plano Cruzado. Pois o roteiro se repetiu à risca em 2020 e neste início de 2021, com a inflação recuando logo no início do congelamento, mas se intensificando com o passar dos meses, acompanhada pelo sumiço dos produtos nas prateleiras.
Em vez de assumir que o desabastecimento é consequência óbvia de intervenções que nada mais fazem que criar o caos nas cadeias econômicas, desestimulando e até inviabilizando a produção, o governo lançou uma ofensiva contra grandes empresas do setor de alimentos e higiene, notificando-as e acusando-as de descumprir a ordem de “aumentar sua produção ao mais alto grau de sua capacidade instalada e arbitrar os meios à sua disposição para garantir seu transporte e distribuição a fim de satisfazer a demanda”. As empresas receberam um prazo para dar suas explicações e comprovar que estão seguindo as regras; se não convencerem os burocratas, podem acabar multadas.
No Brasil do Plano Cruzado, a realidade se impôs depois de alguns meses e o congelamento de preços foi abandonado. Ainda levaria alguns anos para o país aprender a lição e finalmente controlar a inflação sem choques, embora a tentação do controle ainda reapareça de forma pontual, como no recente caso do frete dos caminhoneiros. A Argentina ainda parece muito distante de repetir o exemplo brasileiro e, por mais que os resultados daninhos sejam completamente previsíveis, continua apostando no populismo econômico e no intervencionismo como a chave para vencer a inflação. As perspectivas de tempos melhores para os argentinos, infelizmente, permanecem muito distantes.
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