O desfecho da maior controvérsia dos últimos dias em termos de investimento em infraestrutura resumiu bem algumas das maiores deficiências nacionais neste campo. O presidente Lula vinha insistindo em bancar sozinho, com recursos do PAC, a construção de um túnel entre as cidades de Santos e Guarujá, orçada em R$ 6 bilhões e essencial para a mobilidade urbana no litoral paulista e beneficiando o maior porto da América Latina. A teimosia era fruto de cálculo político: o petista queria levar sozinho os méritos por uma obra importante em um estado que o PT jamais governou e que hoje é administrado por um aliado de Jair Bolsonaro. No fim, Lula recuou e houve um entendimento com o governador Tarcísio de Freitas – cujo partido, o Republicanos, detém a pasta de Portos e Aeroportos no governo federal –, resultado na divisão em partes iguais do investimento entre União e estado, com o restante bancado pela iniciativa privada.
Para além desse saudável entendimento entre políticos de campos diferentes em torno de uma obra importante para os paulistas e para todo o setor produtivo que usa o Porto de Santos, o fato é que a demanda pelo túnel estava se tornando quase centenária. A travessia do estuário por balsa dura de 20 a 60 minutos, dependendo do tráfego de navios no porto, e a alternativa rodoviária exige no mínimo uma hora, em um percurso de dezenas de quilômetros – o túnel, que terá menos de um quilômetro, reduziria esse tempo para meros dois minutos. A pergunta que se impõe, portanto, é bastante simples: por que algo tão essencial precisou esperar tanto para que finalmente haja uma perspectiva de sair do papel e tornar-se realidade?
A regra geral continua sendo a de que a iniciativa privada tende a entregar melhores resultados aos usuários, sendo capaz de fazer investimentos que o Estado não tem condições de realizar
Parte da resposta está em uma tradição brasileira de baixo investimento em infraestrutura. Levantamento da consultoria Inter.B mostra que o país teria de investir 4% do PIB em duas décadas para conseguir modernizar o setor, mas não chega nem a metade disso – 1,79% no ano passado, com projeções de leve aumento para 1,87% neste ano. Entre as razões para essa taxa medíocre de investimento está outro vício brasileiro que só nos últimos tempos começou a ser combatido: a convicção de que é o Estado quem deve levar adiante as obras. Este não é o único fator que explica a situação atual, mas é um dos mais importantes: com o cobertor curto no orçamento e deficiências sérias de planejamento, muitas vezes oriundas de trocas de governo em que sucessores anulam tudo que seus antecessores tenham decidido, o resultado são necessidades não atendidas, obras paradas no meio e deterioração do que já existe. É assim, por exemplo, que a malha ferroviária brasileira tem a mesma extensão de 100 anos atrás, e que as rodovias do país sejam majoritariamente precárias, com todo o custo humano e econômico que isso acarreta.
Não há outra solução, portanto, a não ser chamar de vez a iniciativa privada, que já contribui de forma significativa – os governos nas três esferas responderam por apenas um terço do investimento em infraestrutura no ano passado – e demonstrou que, quando há previsibilidade jurídica e bons marcos regulatórios, está disposta a colocar ainda mais recursos. Basta lembrar o caso do Marco Legal das Ferrovias, aprovado no fim de 2021 e que havia disparado uma onda de pedidos de autorização, somando dezenas de bilhões de reais em novos investimentos. O mesmo pode ser dito do Novo Marco do Saneamento. No entanto, com a substituição de um governo ciente do papel da iniciativa privada por outro que segue cultivando o atraso estatizante, as perspectivas se tornam menos animadoras. O próprio Porto de Santos é um caso emblemático, já que Lula engavetou os planos para sua privatização. Ainda que a prática internacional para portos seja a de propriedade estatal com operação privada, no exterior ela tem caráter bastante técnico, enquanto no Brasil a forte ingerência político-partidária é a norma.
Evidentemente há casos de estradas, aeroportos e outras instalações de infraestrutura com boa qualidade e administração direta estatal. No entanto, a regra geral continua sendo a de que a iniciativa privada tende a entregar melhores resultados aos usuários, sendo capaz de fazer investimentos que o Estado não tem condições de realizar. Isso é atestado pelos rankings anuais de rodovias da Confederação Nacional do Transporte, ou por afirmações como a de Martha Seillier, que foi diretora da Secretaria de Aviação Civil (SAC) no governo Dilma Rousseff e disse, por ocasião da inauguração do Terminal 3 do Aeroporto Internacional de Guarulhos (SP), em 2014, que “a Infraero não faria o que foi feito com a mesma qualidade e no mesmo período”. Se Lula não fosse tão apegado a seus dogmas estatistas, poderia aprender algo com Tarcísio de Freitas a esse respeito.
O custo estimado para o túnel Santos-Guarujá é de R$ 6 bilhões, e não de R$ 6 milhões como anteriormente publicado.
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