Enquanto o governo não anuncia (isso se já tiver realmente fechado) o prometido pacote de corte de gastos – aquele que deveria ter sido divulgado logo depois das eleições, mas segue demonstrando que o tempo é relativo –, continua apelando a remendos. Na sexta-feira, o governo Lula confirmou um novo bloqueio de R$ 6 bilhões, ampliando ligeiramente o valor de R$ 5 bilhões que o ministro Fernando Haddad havia anunciado na véspera. O bloqueio é o tipo de medida que ocorre quando a previsão de gastos fica acima do limite máximo (e já bastante generoso) previsto pelo arcabouço fiscal: de inflação mais 2,5 pontos porcentuais de crescimento em relação ao ano anterior.
Mas a Instituição Fiscal Independente (IFI), vinculada ao Senado, já avisou que o valor não basta para o governo cumprir a meta estabelecida no arcabouço, zerando o déficit primário em 2024: para isso, o governo precisaria que as receitas do último bimestre superassem as despesas em R$ 42,3 bilhões, algo muito pouco provável apesar de o governo bater sucessivos recordes de arrecadação – até outubro, a União já tirou R$ 2,218 trilhões das pessoas físicas e jurídicas brasileiras, um recorde histórico. Mesmo para cumprir o mínimo aceitável pelo arcabouço, um déficit primário de 0,25% do PIB, a receita dos dois últimos meses do ano teria de ser R$ 13,6 bilhões maior que a despesa. Em outras palavras, o bloqueio recém-anunciado pelo governo não faz nem metade do trabalho necessário.
Um governo que não consegue nem mesmo um “zero a zero” fiscal apesar da arrecadação recorde demonstra que o problema não é ocasional ou extraordinário, mas resultado de um vício crônico
Isso quer dizer que o governo terá de recorrer a algum socorro extraordinário: ou terá de fazer novos cortes, ou precisará transformar recordes de arrecadação em autênticos milagres da multiplicação dos impostos, ou terá de conseguir dinheiro de alguma outra forma. A Petrobras já avisou que fará sua parte, liberando dezenas de bilhões de reais em dividendos extraordinários – aqueles mesmos que Lula criticou à exaustão, a ponto de ter feito rolar a cabeça de Jean Paul Prates em maio deste ano –, ajudando seu acionista majoritário. Outra possibilidade apontada pela IFI é deixar de executar as emendas parlamentares previstas para este ano: ainda há R$ 16,9 bilhões em emendas cujo pagamento está suspenso pelo STF em meio a uma disputa sobre regras de transparência.
Gastar muito mais do que arrecada – mesmo quando arrecada muito, como tem sido em 2024 – e tentar fechar as contas recorrendo a medidas extraordinárias é expediente antigo do petismo. Em 2014, quando o país registrou o primeiro déficit primário da série histórica, o governo Dilma tentou levantar dinheiro apressando o leilão das frequências para a telefonia 4G, mas não conseguiu o valor desejado. No fim, terminou o ano com um “golpe fiscal”: a aprovação do PLN 36/2014. O balcão de negócios montado à época foi tão escancarado que um decreto presidencial, aumentando o valor destinado a emendas parlamentares, condicionava a liberação dos recursos à aprovação do PLN 36, que alterava as contas do resultado primário e livrava Dilma de qualquer responsabilização por entregar um déficit, em vez do superávit previsto na LDO daquele ano.
Ainda que Lula e Haddad consigam cumprir ao menos o limite inferior da banda de tolerância de resultado primário, a IFI avisa que será cada vez mais difícil atingir as metas dos próximos anos graças a políticas implantadas pelo próprio governo petista, como a política de valorização real do salário mínimo, que tem efeito cascata sobre várias despesas da União. Essas e outras medidas criaram a bomba-relógio orçamentária que, pelo jeito, não demorará muito para explodir em forma de inflação, juros ainda mais altos e todas as consequências negativas da irresponsabilidade fiscal, consequências essas que o Brasil já viveu há pouco menos de uma década.
Um governo que não consegue nem mesmo um “zero a zero” fiscal apesar de bater recorde atrás de recorde na arrecadação demonstra que o problema não é ocasional ou extraordinário, mas resultado de um vício crônico. Não é algo que será resolvido com bloqueios de uns poucos bilhões de reais. A bem da verdade, não será resolvido nem mesmo com pacotes de algumas dezenas de bilhões de reais, já que eles não são fruto de uma convicção real sobre a necessidade de enxugar e otimizar o gasto público, mas o resultado de uma necessidade de momento, quando a realidade se cansa de bater a porta e resolve arrombá-la. A gastança está impregnada no DNA petista, para o azar de todos os brasileiros.
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