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Editorial

O exemplo (pela metade) que o Paraná dá ao Brasil

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Ademar Traiano, presidente da CCJ da Assembleia Legislativa do Estado do Paraná. (Foto: Valdir Amaral/Alep)

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A Assembleia Legislativa do Estado do Paraná (Alep) promulgou, na última segunda-feira, o seu primeiro Código de Ética e Decoro Parlamentar, com uma série de regras que, a partir de agora, devem reger o comportamento dos deputados estaduais, com as respectivas punições previstas para cada tipo de violação. A iniciativa não é inédita no Brasil, pois várias outras Assembleias Legislativas já têm seus códigos de ética, mas até então o Paraná não tinha nenhum documento semelhante – embora ele já venha com um certo atraso, dados os vários casos, que vão de bate-bocas em plenário até escândalos de corrupção, envolvendo parlamentares nos últimos anos. No entanto, uma omissão gritante bastou para colocar a perder boa parte do trabalho empregado na elaboração do documento.

O código prevê uma série de delitos, com suas respectivas penas, que vão de advertência verbal à cassação do mandato, mas deixou de fora um item importantíssimo: deputados que assinarem acordos de não persecução cível ou penal (ANPC ou ANPP, respectivamente) com o Ministério Público podem escapar de punições, pois o novo Código de Ética da Alep não diz nada sobre essa situação. E não se pode nem mesmo alegar que se trataria de uma situação muito específica, que não passou pela cabeça dos responsáveis pela elaboração do código, porque alguns dos casos mais escabrosos envolvendo parlamentares paranaenses no passado recente envolveram justamente a assinatura desses acordos, e terminaram em impunidade. Como se não bastasse, a oposição afirma que tentou incluir essa situação no código, mas a emenda teria sido barrada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Alep e nem sequer foi votada em plenário.

A não inclusão, no Código de Ética, dos casos de assinatura de acordos de não persecução é um escárnio; afinal, trata-se de um raro caso em que o deputado envolvido assume ter cometido o crime ou irregularidade

O presidente da CCJ, Ademar Traiano (PSD), foi o protagonista de um desses escândalos que terminaram com a assinatura de um ANPP. Traiano e o ex-deputado Plauto Miró admitiram ter pedido e recebido propina para renovar um contrato relativo à produção de conteúdo para a TV Assembleia em 2015 (os achaques foram gravados pelo empresário Vicente Malucelli); em 2023, eles assinaram um acordo admitindo o crime e comprometendo-se a devolver pouco menos de R$ 200 mil, para escapar do processo judicial – uma decisão que gerou muitas críticas ao MP, inclusive por parte desta Gazeta, mas que depois se revelou acertada, já que as provas da corrupção poderiam ser recusadas pela Justiça, fragilizando a acusação e aumentando o risco de impunidade total. No ano passado, Traiano chegou a ser denunciado por quebra de decoro – afinal, havia admitido a corrupção –, mas foi absolvido no Conselho de Ética.

A não inclusão, no Código de Ética, dos casos de assinatura de acordos de não persecução é um escárnio; afinal, trata-se de um raro caso em que o deputado envolvido assume ter cometido o crime ou irregularidade – e que frequentemente envolve corrupção. Seria completamente razoável que um ato ilícito, devidamente confessado e que tivesse sido cometido durante o exercício do mandato, ensejasse uma abertura praticamente automática de um processo de cassação. Pouco importa a alegação do atual presidente da Alep, Alexandre Curi, segundo a qual “nada impede que o Conselho de Ética possa atuar por quebra do decoro, ou por qualquer improbidade ou ato de processo criminal que seja cometido na gestão, independentemente do acordo [de não persecução]”, ou o fato de ao menos alguns atos ilícitos estarem mencionados no Código de Ética; a verdade é que aquilo que seria uma obrigação ética dos deputados – analisar a possível cassação de um colega que confessou um crime – foi reduzido a mera possibilidade, que pode ou não se concretizar.

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O Paraná ofereceu ao país a Operação Lava Jato, que acendeu nos brasileiros a chama da esperança no combate à corrupção até que o Supremo Tribunal Federal desmontasse todo um trabalho diligente de anos. Agora, os deputados estaduais paranaenses oferecem um contraexemplo ao Brasil. “É um código que aceita a corrupção. A Assembleia permite essa flexibilização no conceito de ética e moral”, disse à Gazeta, com toda a razão, o deputado Requião Filho. Deixar aberta a porta para que ilícitos cometidos por deputados acabem sem a punição correspondente no âmbito político, mesmo com uma confissão homologada pela Justiça, é de uma leniência inexplicável e inaceitável.

Correção

O deputado Requião Filho foi incorretamente identificado como líder da oposição na versão original do editorial. Na verdade, o líder da oposição na Alep é Arilson Chiorato (PT).

Corrigido em 29/09/2025 às 19:25

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