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Quando assumiu o governo do Brasil em 1995, Fernando Henrique Cardoso tinha pela frente um grande desafio: conseguir manter o sucesso inicial do Plano Real, implantado em julho de 1994, e extirpar de vez os longos anos da hiperinflação que solapava a possibilidade de crescimento econômico e empobrecia a população. Fernando Henrique houvera sido eleito justamente por ter sido o maestro do Plano Real, quando ocupava o Ministério da Fazenda no governo Itamar Franco, e porque esse plano era uma espécie de última esperança de vencer o dragão da inflação que maculava a vida brasileira desde o início dos anos 1960. Planos econômicos vinham sendo sistematicamente desacreditados em razão do fracasso de pelo menos cinco planos antes do Real.
O êxito do Plano Real em seus primeiros anos de vida foi expressivo, mas uma grave crise internacional estourou no início de 1999, atingindo o Brasil quando o controle da taxa de câmbio pelo Banco Central deixou de funcionar e o preço do dólar explodiu, ameaçando destruir as conquistas no combate à inflação. Fernando Henrique estava no primeiro ano de seu segundo mandato e, diante da crise, o governo teve de agir rápido, implantando a política macroeconômica baseada no tripé formado por metas de inflação, superávit primário e câmbio flutuante. O susto foi superado e o combate à inflação continuou dando certo, apesar de alguns percalços, de forma que Antônio Palocci, ministro da Fazenda do primeiro governo Lula, conseguiu convencer o presidente petista a manter a política econômica do governo anterior.
A manutenção da política baseada no tripé macroeconômico foi uma decisão acertada e o ministro Palocci levou a sério a principal base desse modelo, o superávit primário, que é a mais difícil de ser cumprida em função da necessidade de rígido controle dos gastos públicos e do longo histórico de promessas demagógicas de Lula e do PT. O controle da inflação seguiu relativamente bem, até que uma nova crise eclodiu: a crise financeira mundial iniciada em 2007/2008, causada pela bolha imobiliária nos Estados Unidos, e que se espalhou pela Europa e outras regiões. Esse foi o cenário no qual, a partir de 1999, o preço do dólar flutuou segundo as condições mundiais e a situação das contas externas do Brasil. Entre 2003 e 2010, exatamente os oito anos do governo Lula, o Brasil foi beneficiado pela expressiva alta dos preços das commodities brasileiras de exportação, o que permitiu ao país formar reservas cambiais superiores à dívida externa.
O caminho mais seguro para o Brasil aumentar a taxa de crescimento econômico, elevar o nível de emprego e melhorar as condições de bem-estar social é ampliar a participação do país no comércio exterior
Essa boa situação foi possibilitada pelo fato de que, ao introduzir o câmbio flutuante e deixar o preço do dólar variar livremente no mercado, a taxa de câmbio subiu e estimulou os exportadores em face dos ganhos no mercado exterior. Mas, se os exportadores ganham quando a taxa de câmbio sobe, os importadores perdem ao terem de pagar mais caro em reais pelos produtos importados; insumos e produtos importados, ao se tornarem mais caros, provocam aumento da inflação de custos. Com o aumento da inflação, aumentam os custos de produção dos itens exportados, o que faz as empresas exportadoras desejarem uma desvalorização cambial que torne mais alto o preço do dólar em reais, a fim de aumentarem suas receitas para cobrir os aumentos nos custos de produzir.
É nesse contexto técnico que se coloca a trajetória da taxa de câmbio nos últimos anos pós-pandemia, cujo desempenho criou problemas para o setor exportador brasileiro até o ponto de vários segmentos de empresas exportadoras alertarem para prejuízos que podem levar a uma redução nas vendas e no nível de emprego. O problema se manifestou quando, no fim de 2024, a taxa de câmbio chegou à máxima de R$ 6,27 por dólar, e a partir daí começou a cair até o patamar atual, oscilando na casa dos R$ 5,30, uma queda de cerca de 15%. Se o baixo preço do dólar contribui para manter baixos os preços em reais dos produtos importados (o que ajuda a manter baixa a inflação interna), na sequência a taxa de câmbio baixa reduz as receitas dos exportadores e diminui sua capacidade produtiva até o ponto de, caso cheguem a ter prejuízos, serem obrigados a reduzir a produção e dispensar empregados.
Embora as empresas do setor exportador tenham investido em melhorias tecnológicas, modernização de equipamentos e processos produtivos mais eficientes, eventuais reduções expressivas na taxa de câmbio podem obrigar grande contingente de empresas a paralisar a produção de artigos de exportação na espera de melhora na taxa de câmbio. Como os interesses de importadores e exportadores são diferentes, a taxa de câmbio ideal para cada grupo varia bastante: importadores comemoram a queda na taxa de câmbio, que ainda ajuda na redução da inflação; exportadores lamentam a queda no preço do dólar, que eles veem como um castigo. A redução na taxa de câmbio força as empresas exportadoras a adotarem programas de redução de custos e ganhos de eficiência, porém os setores mais vulneráveis, especialmente na indústria de transformação, começam a sofrer pressão para desativação de atividades e fechamento de unidades fabris. Há quem atribua ao fenômeno cambial alguma responsabilidade pela diminuição do setor industrial brasileiro, principalmente naqueles ramos de atividade em que a modernização tecnológica se atrasou.
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No atual terceiro mandato de Lula, o quinto do PT, o próprio presidente disse e repetiu várias vezes que déficit fiscal não é importante e que um pouco mais de inflação não preocupa, numa atitude perigosa, irresponsável e prejudicial sobretudo a quem mais o governo fala em defender: os trabalhadores e os pobres. A razão é simples, e nem se trata de problema complexo para entender: mais déficit público e mais inflação significam juros mais altos, corrosão do poder de compra dos salários, aumento dos custos de produção para as empresas e perda da capacidade competitiva do produto brasileiro no exterior. Se prevalecer essa diretriz emanada da voz do governo, especialmente o que diz o presidente da República, a economia sofrerá alguns efeitos: menos crescimento econômico, mais desemprego, redução do salário real e... mais pobreza.
O caminho mais seguro para o Brasil aumentar a taxa de crescimento econômico, elevar o nível de emprego e melhorar as condições de bem-estar social é ampliar a participação do país no comércio exterior, pelo aumento das exportações e aumento das importações de máquinas, equipamentos e, principalmente, tecnologias estrangeiras necessárias à atualização do parque industrial e do setor de serviços. Mas ou o governo não pensa assim ou então não pensa nada, a não ser ideias soltas, demagógicas e retrógradas. E o Brasil segue perdendo tempo precioso, sem conseguir crescer a taxas expressivas o suficiente para elevar o padrão de vida médio do trabalhador.



