O crime organizado chegou a níveis ainda mais elevados de ousadia na última sexta-feira, dia 8, quando o empresário Antonio Vinicius Lopes Gritzbach foi executado por quatro homens encapuzados no Aeroporto Internacional de Guarulhos (SP), o maior do país. Foram dezenas de tiros de fuzil disparados na saída do desembarque do terminal 2, que concentra os voos domésticos; além de Gritzbach, que morreu na hora, o motorista de aplicativo Celso Araujo Sampaio de Novais, atingido nas costas por um tiro, faleceu no dia seguinte. A Polícia Federal e as polícias do estado de São Paulo estão investigando o caso, e encontraram um dos carros usados na execução, além de algumas armas e munições; os celulares da namorada de Gritzbach (que retornava com ele de uma viagem ao Nordeste e saiu ilesa do ataque) e dos policiais que faziam a segurança de empresário foram apreendidos.
Mesmo sem nenhuma prisão feita até agora, é praticamente certo que se trata de uma ação do Primeiro Comando da Capital (PCC), pois Gritzbach estava marcado para morrer pela facção criminosa: ele lavava dinheiro para a organização, mas resolveu fazer um acordo de delação premiada com o Ministério Público paulista, e que já havia sido homologado pela Justiça, revelando detalhes sobre como o PCC era financiado e sobre o envolvimento de policiais civis e militares com o crime organizado. Além disso, em dezembro de 2021, Gritzbach teria ordenado a morte de dois membros da facção: o traficante Anselmo Becheli Santa Fausta (“Cara Preta”) e seu motorista, Antônio Corona Neto (“Sem Sangue”). O prêmio pela cabeça do empresário era de cerca de R$ 3 milhões.
Apenas à base de muita inteligência policial, cooperação entre autoridades e legislação mais firme para isolar líderes presos e sufocar economicamente as organizações criminosas será possível evitar que o Brasil caminhe para se tornar um narcoestado
Que um crime como este tenha sido cometido em local tão movimentado, em plena luz do dia, da forma como ocorreu, vitimando alguém cuja segurança deveria ser prioridade total dos órgãos de investigação devido à importância das informações prestadas, permite supor que, infelizmente, os tentáculos do crime organizado estão mais espalhados do que gostaríamos de imaginar. Afinal, não foi uma coincidência que levou os criminosos a encontrarem Gritzbach no aeroporto; muito provavelmente seus passos estavam sendo seguidos, e isso seria muito difícil sem a cooperação de pessoas próximas à vítima, que dispensou os serviços do Programa Estadual de Proteção a Vítimas e Testemunhas e preferiu contratar quatro policiais militares como escolta particular. O jornal O Estado de S.Paulo apurou que três desses policiais não estavam no aeroporto quando Gritzbach foi morto, porque seu veículo teria apresentado problemas mecânicos ao deixar um posto de combustíveis nas proximidades.
A triste verdade é que, a cada dia que passa, o crime organizado espalha sua atuação. O PCC se expandiu para lavar dinheiro com empresas de ônibus e usa fintechs para financiar campanhas políticas, o que certamente não ocorre por mera afinidade com as convicções políticas dos candidatos apoiados. Quanto mais o crime organizado se infiltra nas atividades empresariais lícitas e, especialmente, nas estruturas de Estado, mais os criminosos ganham a certeza da impunidade (a ponto de executarem pessoas em um aeroporto movimentado) e mais difícil será cortar todas as cabeças da hidra em que as facções como o PCC, o Comando Vermelho e tantas outras se transformaram. Apenas à base de muita inteligência policial, cooperação entre autoridades de todas as esferas de poder e de todas as unidades da Federação, e legislação mais firme para isolar líderes presos e sufocar economicamente as organizações criminosas será possível evitar que o Brasil caminhe para se tornar um narcoestado.
O fortalecimento do crime organizado é trabalho de décadas, e que não ocorreu apenas graças ao empenho dos bandidos. Eles contaram com a ajuda de autoridades cujas ações e decisões mantiveram as facções a salvo do braço estatal; de segmentos ideológicos que ainda hoje tratam bandidos como “vítimas da sociedade”; de uma intelectualidade que glamourizou as drogas, garantindo o financiamento das facções; de um ordenamento jurídico que dificulta a proteção da sociedade contra os criminosos; e de setores políticos que dificultam a mudança dessas mesmas leis. Essa bandidolatria permitiu que chegássemos ao ponto atual, em que as facções desmoralizam o Estado e deixam claro que futuros delatores terão o mesmo fim de Gritzbach. Também este estado de coisas precisa ser desmontado para que não tenhamos um país refém da criminalidade organizada.
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