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Após um longo período de ataques ao Banco Central e ao seu então presidente, Roberto Campos Neto, o presidente Lula resolveu baixar o tom ao comentar a nova taxa de juros, definida na quarta-feira (29) pelo Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central. Como já era esperado, o comitê confirmou o aumento da Selic de 12,25% para 13,25% ao ano, em decisão unânime. No entanto, se nos tempos de Campos Neto o presidente provavelmente teria feito duras críticas ao Banco Central, agora, com Gabriel Galípolo, indicado por Lula, na presidência do banco, o tom foi bem mais ameno.
Ainda que, como de praxe, lideranças petistas tenham reclamado do aumento, Lula praticamente “justificou” Galípolo, dizendo que o novo presidente do BC não poderia “dar cavalo de pau” e baixar os juros repentinamente. “Uma pessoa que já tem a experiência de lidar com o Banco Central, como eu tenho, tem consciência de que, num país do tamanho do Brasil, com a responsabilidade do Brasil, o presidente do Banco Central não pode dar um cavalo de pau num mar revolto, de uma hora para outra”, disse Lula em entrevista coletiva a jornalistas em Brasília.
Por mais que Lula e sua equipe econômica usem e abusem de sorrisos e gestos afáveis para “comemorar” o cumprimento da meta fiscal em 2024, a realidade não é nada risonha
O tom apaziguador do petista – justificado para evitar o fogo amigo contra Galípolo – terá de continuar nos próximos meses, pois não há nada no horizonte que indique que o ciclo de alta nos juros terminará em breve. O principal motivo é a alta da inflação. Segundo o Copom, a elevação da Selic “é compatível com a estratégia de convergência da inflação para a meta ao longo do horizonte relevante”, e, caso a situação não melhore, o ciclo de alta deverá ser mantido. Aliás, a autoridade monetária já prevê pelo menos mais um aumento na taxa de juros para março, mês da próxima reunião do Copom.
Segundo análise do Boletim Focus, a inflação no Brasil em 2025 deve ficar em 5,5%, um ponto acima do teto da meta fiscal do governo, que é de 4,5%. No ano passado, a inflação também ficou acima da meta, atingindo 4,86%, enquanto o esperado era de 4,50%. Mesmo que 2024 tenha registrado alguns números positivos para a economia, como a queda no número de desempregados e a previsão de alta do Produto Interno Bruto (PIB) esses números podem não ser reflexo de um aquecimento genuíno da economia, impulsionado por investimentos do setor privado, mas sim pelas políticas de transferência de renda e estímulo ao consumo. E o aumento do consumo, por si só, não indica crescimento na produção de riqueza, mas certamente impacta na inflação. Até o governo, por mais reticente que seja, reconhece o problema.
Na sexta-feira (31), o secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, disse que o governo sabe que precisa desacelerar a economia para evitar um descontrole inflacionário e que a equipe econômica adotará uma política fiscal mais contracionista ao longo deste primeiro semestre. Parece difícil acreditar, especialmente levando em conta que o presidente petista já embarcou de vez no trem eleitoral. O próprio Lula afirmou que o governo não tomará novas medidas de ajuste fiscal neste ano, se depender dele, mas que o rombo das contas públicas será “zero”.
Em 2024, porém, o rombo nas contas públicas não foi “zero”, mas de R$ 43 bilhões, o equivalente a 0,36% do PIB. No entanto, descontados os gastos extraordinários com o Rio Grande do Sul, o combate aos incêndios no Pantanal e na Amazônia, e os recursos destinados ao Judiciário e ao Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), o déficit foi reduzido para R$ 11,03 bilhões, o equivalente a 0,09% do PIB. A meta – que deveria ser zero – só foi cumprida graças a Haddad e aos malabarismos de seu arcabouço fiscal, que criou uma faixa de tolerância de 0,25% do PIB, permitindo um déficit de até R$ 28,75 bilhões.
Já em relação à arrecadação, o governo não tem do que reclamar. Impostos e outras receitas resultaram na maior arrecadação da história em 2024, com R$ 2,7 trilhões, quase 10% a mais em relação ao ano anterior. Segundo relatório publicado nesta terça-feira (28) pela Receita Federal, a cifra corresponde a um crescimento real (acima da inflação) de 9,6% em relação a 2023. E, se a arrecadação foi histórica, a dívida bruta do setor público – que inclui governos e estatais de todas as esferas – encerrou 2024 em R$ 998,0 bilhões, o que corresponde a 76,1% do PIB, o maior valor nominal anual da série histórica, iniciada em 2002.
Por mais que Lula e sua equipe econômica usem e abusem de sorrisos e gestos afáveis para “comemorar” o cumprimento da meta fiscal em 2024 – e certamente tenham comemorado ainda mais a arrecadação recorde nos cofres do governo –, a realidade não é nada risonha. Cumprir a meta fiscal era o mínimo que o governo deveria fazer, e não será suficiente. Se a frouxidão no tratamento das contas públicas persistir, com o governo insistindo nos mesmos erros e gastando cada vez mais, ficar dentro da meta fiscal – ou perto dela – não será suficiente para trazer alívio ao aperto imposto pelo Copom.