O Brasil de Alexandre de Moraes continua sugando os esforços de todos aqueles que desejam encontrar na literatura algum paralelo com as situações surreais impostas pelo Supremo Tribunal Federal ao país. Depois das “crimideias” orwellianas e dos processos kafkianos, chegamos à fase do “Ardil-22”, expressão cunhada por Joseph Heller no livro de mesmo nome e que descreve uma situação da qual é impossível escapar devido a uma série de regras absurdas, contradições ou loopings infinitos. Foi o que ocorreu com o X, em seus esforços para se livrar da suspensão imposta por Moraes no fim de agosto: após cada exigência cumprida, surgia algo novo que adiava o desfecho da disputa – até que, nesta terça-feira, finalmente o ministro determinou o desbloqueio do X no Brasil.
No fim de setembro, o X avisou que havia cumprido as ordens de censurar os perfis que o ministro gostaria de ver bloqueados e indicar um representante legal no Brasil, além de ter pago (por meio de confisco estatal, é verdade) a multa imposta por Moraes. Ele reconheceu que as condições haviam sido atendidas, mas não desbloqueou a rede social; em vez disso, aumentou a lista de exigências, cobrando mais R$ 10,3 milhões e exigindo da rede que abrisse mão do direito de recorrer das decisões que determinaram as multas. Novamente, o X fez sua parte, e enviou os comprovantes a Moraes na sexta-feira, 4 de outubro.
Com a sua versão suprema do “Ardil-22”, Moraes demonstrou que o retorno do X, no fim das contas, não dependia do cumprimento das exigências legais, mas apenas da sua vontade
Ainda naquele mesmo dia, o “Ardil-22” entrou em ação. O ministro não desbloqueou imediatamente a rede social, sob a alegação de que o dinheiro havia sido depositado em uma conta da Caixa Econômica Federal, e não do Banco do Brasil (a Caixa transferiu os recursos para o BB); e ainda afirmou que não decidiria sobre o desbloqueio antes de uma manifestação da Procuradoria-Geral da República – órgão que, no sistema persecutório moraesiano, só é acionado (e ouvido) quando convém ao ministro. A defesa do X reagiu rapidamente, e também no dia 4 afirmou que Moraes estava, mais uma vez, acrescentando obrigações que não constavam das decisões originais.
E os advogados da rede de Elon Musk estavam cobertos de razão. Na decisão datada de 27 de setembro, em que Moraes impôs a segunda rodada de condições para desbloquear o X, não havia indicação de nenhuma conta bancária na qual a multa deveria ser depositada – até existia menção a uma conta do BB, mas apenas a título de informação sobre a destinação dada em 11 de setembro aos recursos do X e da Starlink que Moraes havia confiscado; os advogados ressaltaram que o pagamento da nova multa “foi realizado por meio do pagamento de guia de depósito emitida pela Caixa Econômica Federal (CEF) de acordo com as orientações recebidas deste E. Supremo Tribunal Federal”. De qualquer forma, tratava-se de mera formalidade, já que ambas as contas eram, ao fim e ao cabo, do mesmo “dono”; o essencial, aqui, era a confirmação do pagamento, indicando que o dinheiro já não estava em posse do X, e sim do Estado brasileiro.
Tampouco a participação da PGR era mencionada como condição para o desbloqueio do X. A parte final da decisão de Moraes não deixava dúvidas a esse respeito quando afirmava (com todos os negritos e maiúsculas possíveis) que, “para que a X Brasil Internet Ltda. retorne imediatamente às suas atividades em território nacional, determino” o pagamento de todas as multas, e só. O máximo que a PGR poderia fazer seria o que de fato acabou fazendo: verificar os comprovantes e confirmar que as multas foram devidamente quitadas, obviedade atestada no parecer enviado nesta terça-feira.
Foi uma manobra que teve como único objetivo possível ganhar tempo – tempo que, nestas circunstâncias específicas, equivale a poder. Com a sua versão suprema do “Ardil-22”, Moraes retardou o desbloqueio do X para que a rede não voltasse ao ar na reta final da campanha do primeiro turno das eleições municipais. Assim, demonstrou que o retorno do X, no fim das contas, não dependia do cumprimento das exigências legais, mas apenas da sua vontade; em resumo, o ministro mostrou quem manda, e continuará usando o braço estatal para perseguir quem tenha sido flagrado usando o X ao longo do período de bloqueio. Como afirmamos dias atrás, isso já não é justiça, mas represália. E não só isso; afinal, os operadores do Direito sabem muito bem que nome se dá a essa atitude de prolongar um processo até onde for possível com a única intenção de retardar seu desfecho.
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