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Editorial

O dólar alto e a regulação do mercado de câmbio

Alta do dólar
Imagem ilustrativa. (Foto: Sebastião Moreira/EFE)

O preço do dólar abriu 2025 cotado a quase R$ 6,20; desde então, o câmbio recuou um pouco, mas o preço do dólar segue acima dos R$ 6. O preço alto gerou nervosismo no mercado financeiro, preocupação com o impacto sobre a inflação em razão do encarecimento dos produtos importados, e angústia nos devedores públicos ou privados em moeda estrangeira pelo aumento em reais das dívidas externas. Por outro lado, provocou certa alegria entre os exportadores que, ao trocarem seus dólares por reais, passaram a ter aumento em suas receitas na moeda nacional. De saída, está claro que a forte desvalorização do real frente ao dólar deriva de sérios problemas na economia brasileira.

Para instruir as análises sobre esse tema, vale registrar que o Brasil entrou no terceiro milênio, em janeiro de 2001, com o dólar custando R$ 1,95. No início de 2005 (portanto, 20 anos atrás), a taxa de câmbio estava na casa dos R$ 2,80. O período seguinte, até 2010, foi de melhoria nas contas externas em função da alta dos preços das commodities exportadas pelo Brasil, e isso fez o preço do dólar abrir 2010 a R$ 1,77. Dez anos depois, no início de 2020, o dólar estava em R$ 4,27; passou pela pandemia e entrou 2022 cotado a R$ 5,35 para, no fim, encostar nos R$ 6,20 nos últimos dias de dezembro de 2024.

A sociedade deve ficar atenta para rechaçar qualquer tentativa de regulação do mercado de câmbio e controle do BC pelo governo, no mínimo porque isso não funciona e pode prejudicar seriamente a economia nacional

Da trajetória do preço do dólar após a adoção do real como a moeda nacional a partir da implantação do Plano Real, em julho de 1994, e da inflação acumulada nesse período de 30 anos, pode-se tirar conclusão com dois pontos. O primeiro ponto é que, em julho de 1994, comprava-se US$ 1 com R$ 1; aceitando-se que o preço do dólar deveria aumentar na exata medida da inflação desses 30 anos, que foi de 703%, o dólar estaria custando atualmente R$ 8. Mas nos Estados Unidos também houve inflação e, se a taxa de câmbio atual descontasse a inflação norte-americana, o preço do dólar estaria na casa dos R$ 4 no início de 2025. Em resumo, uma taxa de câmbio de variação real neutra é aquela que aumenta o preço do dólar em porcentual igual à inflação brasileira menos a inflação nos Estados Unidos.

Esse raciocínio destina-se a afirmar que a taxa de câmbio acima de R$ 6 mostra que o real se desvalorizou fortemente perante o dólar, apesar de o Brasil estar com boa situação nas contas externas e ter reservas internacionais na moeda estrangeira. Desvalorizações fortes da moeda nacional perante o dólar são normais quando o país está em crise cambial e as exportações não geram receitas em dólar suficientes para bancar as importações.

Dizendo de outra forma, quando o país tem déficits recorrentes no balanço de pagamentos com o resto do mundo (balança comercial, balança de serviços e balanço de capitais), a falta de dólares em valores suficientes para bancar as importações leva o país ao endividamento externo, a uma crise cambial e crise de abastecimento interno por incapacidade da fazer importações. O renomado economista Mario Henrique Simonsen, ministro da Fazenda de 1974 a 1979, dizia que “inflação aleija, mas crise cambial mata”.

O caso do Brasil soa estranho, pois a desvalorização do real perante o dólar ocorre numa circunstância em que o país não tem crise cambial nem escassez de dólares para bancar os suprimentos internacionais de bens, serviços, máquinas e tecnologias que o país precisa importar para que a economia nacional funcione. As desvalorizações do real ocorrem por outras causas, especialmente pela fuga de capitais, diminuição do ingresso de capitais estrangeiros, insegurança jurídica, desequilíbrios nas contas do governo, déficits elevados e recorrentes, e falta de confiança na gestão macroeconômica do país.

Contribuem para esse ambiente pessimista o baixo nível de confiança no governo e nas instituições; as falas desencontradas, contraditórias e hostis ao ambiente de negócios proferidas pelo presidente da República e alguns de seus ministros; e as constantes ameaças de mais tributos e propostas de regulação do mercado de câmbio e do fluxo de capitais.

Não bastassem os repetidos fracassos todas as vezes em que foram tentadas invenções heterodoxas na economia, eivadas de esquerdismo e de agressão às teorias e experiências consolidadas no âmbito da gestão macroeconômica mundo afora, retornam os velhos e enferrujados arroubos do Partido dos Trabalhadores, pela voz de seus dirigentes e parlamentares eleitos, insistindo em regulação, diminuição da liberdade econômica, mais controles sobre o mercado financeiro e fim da autonomia do Banco Central.

Com um cenário desses, não há taxa de câmbio que se mantenha em níveis normais, pelo contrário: a explosão da taxa de câmbio e a queda da bolsa de valores são dois efeitos lógicos de um ambiente altamente confuso e cheio de erros e problemas fabricados por aqueles que deveriam fazer boa gestão, respeitar a lógica e criar um ambiente favorável aos investimentos e negócios.

Por fim, a saída de Roberto Campos Neto da presidência do Banco Central (BC), pelo vencimento de seu mandato, acaba com o pretexto usado por Lula e por Gleisi Hoffmann, presidente do PT, para criticar grosseiramente a pessoa do presidente do órgão, sob a alegação de que ele era o culpado pelos juros altos. Como parece que o novo presidente do BC, Gabriel Galípolo, não vai induzir os outros membros do Conselho de Política Monetária (Copom) a jogar a taxa de juros para baixo sem base técnica, ou ele começará a ser vítima dos xingamentos de Lula e Gleisi, ou a dupla não fará crítica alguma e provará que estava apenas exercendo sua retórica grosseira e sem fundamento. Diante de tudo isso, a sociedade deve ficar atenta para rechaçar qualquer tentativa de regulação do mercado de câmbio e controle do BC pelo governo, no mínimo porque isso não funciona e pode prejudicar seriamente a economia nacional.

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