O resultado do segundo turno das eleições municipais foi mais uma demonstração do que já havia sido percebido no dia 15 de novembro: o pleito nas cidades costuma ser guiado mais pelo pragmatismo ligado a boas gestões que por questões ideológicas. A extrema-esquerda, por exemplo, acabou derrotada em São Paulo e Porto Alegre, perdendo até mesmo para os brancos, nulos e abstenções (na capital gaúcha, até mesmo o prefeito eleito ficou atrás do “não voto”). E os partidos com melhor desempenho são os que ficaram no centro do espectro ideológico.
Em termos de população governada, PSDB e MDB terminam na frente: ambos os partidos terão menos prefeituras que em 2016, mas a partir de 2021 governarão 34 milhões e 26,9 milhões de brasileiros, respectivamente. As duas legendas também terminaram a eleição liderando em número de capitais e cidades com mais de 200 mil eleitores. Já em número absoluto de prefeituras, o MDB (782 municípios) é seguido por dois partidos do Centrão, PP (683) e PSD (654). Em nenhum caso se trata de partidos de forte viés ideológico – o PSD, na clássica definição de seu idealizador, Gilberto Kassab (que foi ministro de Dilma Rousseff e Michel Temer, e hoje é secretário no governo tucano de João Doria em São Paulo), não é “nem de esquerda, nem de direita, nem de centro”.
Ainda é muito cedo para afirmar que está havendo um processo de arrefecimento da polarização política, beneficiando candidatos centristas ao Planalto
A esquerda, apesar de Guilherme Boulos e Manuela D’Ávila, pouco tem a comemorar. Nenhum partido desse lado do espectro ideológico aumentou o número de prefeituras em relação a 2016, e o PT não conquistou nenhuma capital, algo que nunca havia ocorrido desde a redemocratização. No entanto, ainda é prematuro falar na substituição do partido como principal força de esquerda do país. O petismo já não era líder em prefeituras entre partidos de esquerda (em 2016, esse posto coube ao PSB; em 2020, passou ao PDT), mas tem a maior bancada na Câmara dos Deputados e o principal nome da esquerda no país continua sendo o do ex-presidente, ex-presidiário e corrupto condenado Lula. Mesmo o PSol, incensado graças à ida de Boulos ao segundo turno em São Paulo, ainda tem um longo caminho a percorrer antes de pretender ser o sucessor do petismo, tendo feito apenas cinco prefeitos, com destaque para o de Belém (PA).
O predomínio do centro nas eleições municipais anima os partidos ditos “vencedores” para 2022, mas ainda é muito cedo para afirmar que está havendo um processo de arrefecimento da polarização política, beneficiando candidatos centristas ao Planalto. Se, como afirmamos, a disputa municipal se dá em termos muito mais pragmáticos que ideológicos, os grandes temas podem retornar com força na disputa pela Presidência da República, e em 2018 o eleitor puniu quem não assumiu posições firmes sobre esses assuntos. O cenário para os centristas pode ser mais favorável caso a economia siga se arrastando até 2022, o que deixaria temas como a pauta moral em segundo plano e priorizaria a discussão sobre como fazer o país voltar a crescer. Além disso, o presidente Jair Bolsonaro, classificado por muitos como “derrotado” neste novembro por não ter conseguido emplacar seus candidatos favoritos, segue à procura de um partido e, se não viabilizar o Aliança pelo Brasil, pode muito bem escolher uma legenda que lhe garanta centenas de palanques país afora – é o caso do PP, ao qual ele já foi filiado – ou trazer para sua coligação outros partidos campeões de prefeituras.
Reorganizações de forças são normais após qualquer eleição, e neste fim de 2020 e início de 2021 não será diferente. O pleito municipal deste ano fortaleceu os partidos mais ao centro, mas ainda há dois anos pela frente, dificultando qualquer previsão para 2022 que vá além dos cálculos sobre a quantidade de apoios locais a postulantes à Presidência. Tentar entrar na cabeça do eleitor neste momento para identificar tendências é exercício que, nos últimos anos, rendeu mais surpresas que confirmações dos prognósticos de analistas políticos.
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